TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

539 acórdão n.º 547/19 o simples ato de depósito de uma carta no recetáculo postal de um domicílio presumido, sem que estejam reunidas garantias suficientes de que o seu conteúdo chegou ao conhecimento do destinatário e em que data. Na verdade, na dimensão normativa aqui em discussão, não se pode considerar que o conhecimento de uma única morada acrescenta fiabilidade ao endereço postal indicado pelo requerente, por confronto com a multiplicidade de moradas e a expedição de várias cartas para notificação do dever, ou permite ultrapassar a álea presente na interpretação sindicada. Também nessa situação, nenhum dado complementar ou corroborante é exigido, mormente a atualidade da informação constante do(s) registo(s), do mesmo modo que não se mostra afastado o risco de o conteúdo da notificação chegar ao conhecimento do requerido apenas depois de ultrapassado o prazo de oposição. […]” (itálicos acrescentados). O juízo deste Acórdão (161/19) foi replicado, quanto à mesma norma e com idênticos fundamentos, no Acórdão n.º 203/19 (2.ª secção). Todavia, no Acórdão n.º 108/19 (1.ª secção), decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas constan- tes dos n. os 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a € 15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indi- cada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notifica- ção do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º. A distinção face ao decidido no Acórdão n.º 222/17 consta dos respetivos fundamentos, onde se pode ler o seguinte:  “[…] 2.4. É possível extrair da existência de diferentes julgamentos efetuados pelo Tribunal Constitucional sobre o mesmo artigo 238.º do CPC – que, no essencial, introduziu no sistema processual civil, a título subsidiário, a regra da citação por via postal simples – dois dados importantes: a modalidade da citação por via postal simples não é, por si só, necessa- riamente e seja qual for o caso a que se aplique, incompatível com a Constituição; sê-lo-á, contudo, por violação do prin- cípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º, quando não oferecer, desde logo, as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação (cfr. ponto 7. do Acórdão n.º 287/03). No que respeita ao primeiro dado, não oferece dúvida que o direito de defesa do réu, garantido pelo artigo 20.º da Constituição, seria totalmente assegurado com a citação por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, modalidade de citação que vigorou em exclusividade em relação às pessoas singulares até à reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996. Sendo a citação «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender» (artigo 219.º, n.º 1, do CPC de 2013), não há maior garantia de defesa do que aquela que impõe como forma de realização da citação do réu a transmissão presencial pelo funcionário judicial dessa informação e dos elementos que a devem acompanhar. A certeza desse modo alcançada de que o réu tomou efetivo conhecimento da ação contra si proposta seria, pois, no plano constitucional, o ponto ótimo de realização do direito de defesa, direito que o Tribunal Constitucional sempre julgou integrado no âmbito de tutela do artigo 20.º da Constituição (Acórdãos n. os 287/03, 91/04, 20/10). Porém, como sucede com a esmagadora maioria dos direitos e valores constitucionalmente tutelados, o direito de defesa não é um direito imune às compressões impostas pela existência de outros direitos e valores igualmente merece- dores de proteção constitucional, nem, por outro lado, assume um conteúdo estático, alheio aos reajustamentos normativos que a transformação das sociedades reclama em ordem à salvaguarda do núcleo essencial de direitos e valores que são especialmente atingidos em determinada etapa desse desenvolvimento.

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