TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A resposta dada pelo TC, no Acórdão n.º 403/15, à questão de saber se os dados de tráfego, incluindo os dados de localização, se encontram no âmbito da proteção do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, não podia ser mais clara. Aí se afirma (p. 16) que “há um largo consenso na doutrina e na jurisprudência, de resto não se conhece posição contrária, no sentido de se incluir os dados de tráfego no conceito de comunicações constitucionalmente relevante para a proibição de ingerência”. E depois de uma ampla explanação doutrinal e jurisprudencial, o TC conclui que “a área de proteção do sigilo das comunicações consagrada no n.º 4 do artigo 34.º da CRP, compreende tanto o conteúdo da comunicação como os dados de tráfego atinentes ao processo de comunicação”. Assente a questão dos dados protegidos pelo sigilo das comunicações, importa saber se o acesso a dados de trá- fego previsto nos artigos 3.º e 4.º da LO por parte de oficiais de informações se conforma com a exceção constante da segunda parte do n.º 4 do artigo 34.º da CRP que permite o acesso a dados dessa natureza nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal. O Acórdão n.º 403/15 do TC também analisa extensamente esse ponto para concluir que “ao autorizar a ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação apenas em matéria de processo penal, e não para quaisquer outros efeitos, a Constituição quis garantir que o acesso a esses meios, para salvaguarda dos valores da justiça e da segurança, fosse efetuado através de um instrumento processual que também proteja os direitos funda- mentais das pessoas”. E prossegue: “porque a ingerência nas comunicações põe em conflito um direito fundamental com outros direitos ou valores comunitários, considerou-se que a restrição daquele direito só seria autorizada para a realização dos valores da justiça, da descoberta da verdade material e restabelecimento da paz jurídica comunitária, os valores que ao processo penal incumbe realizar”.  Mas o citado Acórdão vai mais longe, ao referir que o n.º 4 do artigo 34.º da CRP tem consequências que se refletem no estatuto constitucional do arguido (artigo 32.º n.º 8 da CRP) e que conduzem à consideração da nulidade de provas obtidas por ingerência abusiva nas comunicações.  Por outro lado, conclui ainda o citado Acórdão, que “no caso da ingerência das autoridades públicas nas comunicações, que o artigo 34.º, n.º 4, primeira parte, consagra como princípio geral, as exceções a que se refere o segmento final desse preceito estão condicionadas à matéria de processo penal, e sendo a restrição constitucional- mente autorizada apenas nesses termos, não tem cabimento efetuar uma qualquer outra interpretação que permita alargar a restrição a outros efeitos, como se a restrição não estivesse especificada no próprio texto constitucional ou se tratasse aí de uma restrição meramente implícita que permitisse atender a outros valores ou bens constitucional- mente reconhecidos”. Existe aliás, como é referido, uma abundante jurisprudência constitucional nesse sentido (Acórdãos n. os 241/02, 195/85, 407/97, 70/08, 486/09 e 699/13).  O TC considera, pois, que, fora do processo penal, vigora uma proibição absoluta de ingerência das autorida- des públicas nos meios de comunicação, incluindo em matéria de dados de tráfego. Assim sendo, importa então saber se o acesso de oficiais de informações a dados de tráfego, incluindo os dados de localização, se pode considerar como uma atividade “em matéria de processo criminal”.  A resposta do TC é “seguramente” negativa, porquanto “os fins e interesses que a lei incumbe ao SIRP de pros- seguir, os poderes funcionais que confere ao seu pessoal e os procedimentos de atuação e de controlo que estabelece, colocam o acesso aos dados de tráfego fora do âmbito da investigação criminal”. O que dispõe o artigo 3.º da LO é que os oficiais de informações do SIS e do SIED podem ter acesso a dados de base e de localização de equipamento para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna e da prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada e no seu exclusivo âmbito. E o artigo 4.º dispõe que os oficiais de informações do SIS e do SIED podem ter acesso a dados de tráfego para efeitos de produção de informações necessárias à prevenção de atos de espionagem e do terrorismo. Estamos assim no domínio da recolha de informações para efeitos de prevenção, o que no entendimento do TC “se dissocia, de forma clara e precisa, da atividade própria da investigação criminal” (Acórdão cit., p. 23).

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