TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como é sabido, o aumento exponencial da litigiosidade levada aos tribunais é uma característica das sociedades atuais que, na ausência de recursos públicos ilimitados, não pode deixar de se repercutir negativamente no direito que assiste a todos os cidadãos a que a causa em que intervêm seja objeto de uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4). Justifica-se, pois, que, em determinados casos, se sacrifique a solução jurídica ótima, ao nível das garantias de defesa do réu, para salvaguardar a capacidade de resposta de todo o sistema processual civil à totalidade das mais diversas ações que diariamente entram nos tribunais para tutela dos direitos nelas invocados. Por outro lado, não se pode ignorar que uma parte significativa dos litígios que são objeto do processo civil têm origem em negócios jurídicos donde emergem créditos de natureza patrimonial, domínio onde a ausência em tempo útil de uma resposta do sistema judiciário tem efeitos especialmente negativos no exercício e desenvolvimento da atividade económica, que também compete ao Estado garantir [artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea b) , 81.º, n.º 1, alíneas a) , d) e e) , e 86.º, n.º 1, da Constituição]. A ponderação dinâmica e concordante da diversidade de direitos e valores diretamente implicados nas opções tomadas no domínio do processo civil, em matéria de comunicação pelo tribunal dos atos processuais às partes, reclama, pois, soluções de compromisso, que, sem retirar seriedade ao ato de citação – que é reconhecidamente um ato de comunicação essencial ao exercício do direito de defesa do réu perante o tribunal – assegurem a sua eficácia, exigência que também decorre da necessidade de tutela de valores e princípios constitucionalmente tutelados. Como se afirma no Acórdão n.º 508/02, em passagem transcrita no Acórdão n.º 287/03, acima citado, «o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera que o demandado seja localizado e chamado ao processo. Há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em jogo, nomeadamente o do contraditório e da (…) proibição da indefesa, com aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da segurança e da paz jurídicas, que são valores e princípios de igual relevân- cia e constitucionalmente protegidos, e não permitir que o processo se arraste indefinidamente em investigações exaustivas e infindáveis (…)». É apenas quando a solução encontrada pelo legislador não garante em termos constitucionalmente aceitáveis esse equilíbrio ou implica uma compressão desproporcionada do direito de defesa, que se justifica a sua censura. Foi precisamente por julgar respeitado o padrão fundamental de equilíbrio imposto no artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, que o Tribunal Constitucional, nos referidos Acórdãos n. os 91/04, 243/05, 582/06 e 182/06, não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 238.º e 236.º-A, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 183/2000 – apesar de a regra de citação por via postal simples neles consagrada a título subsidiário e principal, respeti- vamente, não assegurar com certeza que o réu tomou efetivo conhecimento do ato de citação. Considerou-se, contudo, no essencial, que a restrição assim introduzida ao direito de defesa consagrado no artigo 20.º da Constituição era necessária à salvaguarda daqueloutros direitos e princípios fundamentais (cele- ridade processual, segurança e paz jurídicas) e não comprometia o seu conteúdo essencial, posto que «o sistema instituído [oferecia] suficientes garantias de assegurar, pelo menos, que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercitar os seus direitos de defesa» (Acórdão n.º 182/06). Aqui entramos no segundo dado adquirido pela jurisprudência constitucional produzida sobre o tema até à presente data. Não impondo a Constituição a adoção de qualquer forma específica para tais atos, que cumpre ao legislador escolher, no exercício dos poderes autónomos que marcadamente detém no domínio do processo civil, proíbe cla- ramente soluções que se bastem com uma probabilidade remota ou vaga de conhecimento pelo réu da citação ou impeçam a demonstração por este do seu não conhecimento; a norma que regula a forma de realização do ato de citação deve, pois, dar garantias mínimas de segurança e fiabilidade e não pode tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento oportuno desse ato, sob pena de incorrer em violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º. Ora, a garantia de cognoscibilidade do ato de citação, que o Acórdão n.º 182/06 julgou suficiente em relação a ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito sem qualquer limite de valor, só

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