TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

541 acórdão n.º 547/19 pode ter-se por verificada quando haja, senão a certeza, pelo menos a forte probabilidade de que o citando reside na morada para onde se remeteu a carta de citação. Foi a impossibilidade de se atingir fundadamente esse grau exigível de convicção ou o facto de a lei não permitir a ilisão da presunção de residência no local do depósito das cartas de citação, ignorando a demonstração pelo réu do contrário, que determinou, em contraponto, os juízos de inconstitucionalidade formulados nos Acórdãos n. os 287/03, 104/06 e 632/06, também antes referidos. No Acórdão n.º 287/03, a norma sindicada não exigia sequer um controlo prévio da exatidão da informação prestada pelo credor sobre o domicílio do devedor, pela consulta nas bases de dados públicas, o que, no entendi- mento aí sustentado, comprometia, desde logo, a idoneidade da citação por via postal simples feita nesse domicílio para assegurar a transmissão de informação essencial ao exercício do direito de defesa do réu. Para os dois acórdãos seguintes, a realização dessa averiguação prévia, prevista nas normas apreciadas, sendo condição necessária não era condição bastante de validação constitucional da presunção absoluta de conhecimento da citação efetuada por via postal simples para as diferentes moradas apuradas nas bases de dados, modalidade de citação que, nesse contexto, se considerou ser uma «ficção» legal constitucionalmente inaceitável. Como se salientou atrás, a norma ou dimensão apreciada nessas duas últimas decisões, que determinava a cita- ção postal simples do réu em caso de frustração da citação postal registada, tinha a característica comum de recair sobre a hipótese de a residência para a qual se endereçou a citação por carta registada não coincidir com o local obtido na base de dados dos serviços enumerados no n.º 1 do artigo 238.º ou de nestas constarem várias moradas. E essa era também a hipótese apreciada pelo Tribunal Constitucional no seu recente Acórdão n.º 222/17, como vimos. Embora não tenha sido desenvolvida argumentação incidente sobre este elemento específico das hipóteses nor- mativas aí em apreciação, parece claro que a conclusão de inconstitucionalidade, por violação do direito de defesa do réu/requerido, não pode ter deixado de ponderar, desde logo, a precariedade ou falibilidade da base de facto em que o legislador fazia assentar, nessas hipóteses, a presunção de recebimento (conhecimento) da citação/notificação. Com efeito, o registo de diferentes moradas nas bases de dados de serviços públicos de referência introduz uma significativa margem de erro, não apenas em relação ao local onde o citando/notificando reside, como em relação à própria correspondência que existe entre os resultados obtidos nessas bases de dados e a pessoa do citando/noti- ficando, justificando-se nesse ponto as dúvidas expressas por Lopes do Rego, no artigo doutrinário acima citado, e reiteradas no Acórdão n.º 222/17, quanto à questão de saber se as diferentes moradas localizadas se referem à mesma pessoa, que tem vários domicílios, ou a pessoas homónimas que, naturalmente, têm também domicílios diferenciados. A citação ou notificação por via postal simples não passou, pois, nesses casos, desde logo, o teste de segurança e fia- bilidade que a Constituição necessariamente impõe à forma de comunicação dos atos do processo que materialmente interfiram ou possam interferir com o exercício efetivo do direito de defesa consagrado no seu artigo 20.º, pois que não garantia sequer que a carta através da qual se dava conhecimento ao réu ou requerido da pretensão contra si deduzida em juízo foi colocada na sua «área de cognoscibilidade», em termos de lhes possibilitar o exercício eficaz do direito de defesa (cfr. Acórdão n.º 182/06). 2.5. Valendo para o ato de notificação previsto no artigo 12.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, atento o seu conteúdo e os efeitos cominatórios da não apresentação tempestiva de oposição, as mesmas exigências garan- tísticas que a citada jurisprudência constitucional julgou aplicáveis ao ato de citação, não se afigura que estas se mostrem violadas pela norma objeto do presente recurso. Como decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional acima analisada, a Constituição, no seu artigo 20.º, não proíbe em absoluto que a lei extraia de determinados factos certos a presunção de que o réu ou requerido tomou ou podia ter tomado conhecimento do ato de citação ou notificação de modo a exercer em tempo o direito de defesa, desde que faça assentar essa presunção em elementos fiáveis e seguros e não vede ou inviabilize na prática a possibilidade de demonstração do contrário. A citação ou notificação por via postal simples, vimo-lo já, não garante com absoluta certeza que o réu ou requerido efetivamente tomou conhecimento do ato de citação ou notificação transmitido desse modo; apenas

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