TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL permite concluir, verificado o primeiro daqueles pressupostos, que o réu ou requerido provavelmente a recebeu ou que, atuando com a diligência de um bom pai de família, a podia ter recebido. Contudo, no domínio do direito privado, em particular no direito das obrigações, onde impera o princípio da autonomia da vontade e da igualdade das partes e se discutem créditos de natureza essencialmente patrimo- nial – valores substantivos que se projetam na própria estruturação do processo civil (artigos 3.º e 4.º do CPC) – não se afigura em abstrato censurável a adoção de um sistema de citação ou notificação assente na presunção de conhecimento ou, mesmo, na presunção de cognoscibilidade do ato de citação ou notificação. Ponto é que o sistema concretamente instituído ofereça, desde logo, garantias de fiabilidade e segurança e não torne impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de conhecimento em que assenta. Como ensina Alberto dos Reis, «importa sobremaneira que a citação seja um ato sério e eficiente, isto é, que ao réu seja dado conhecimento da existência do pleito e colocado em condições de se defender; mas importa igual- mente que seja um ato, quanto possível, rápido, isto é, que sejam postos à disposição do tribunal meios suficientes para obstar a que o réu procure fugir à ação da justiça, furtando-se sucessivamente à diligência da citação» ( Comen- tário ao Código de Processo Civil, Volume 2.º, p. 617). A harmonização dos interesses em conflito, «o interesse da seriedade do ato» e «o interesse da rapidez», para utilizar a formulação do mesmo ilustre professor, passa, não pode deixar de passar, pela adoção de soluções que importem, para cada um deles, a compressão que se mostre necessária à salvaguarda do outro, sem afetação do respetivo conteúdo essencial. De acordo com o julgamento efetuado no Acórdão n.º 222/17, a norma dos n. os 3 e 5 do referido artigo 12.º, na interpretação aí sindicada, não respeitava, desde logo, o conteúdo essencial do direito de defesa, atenta a fali- bilidade da informação obtida junto das bases de dados e o caráter inilidível da presunção de notificação que nela se baseava. Não é o que sucede com as normas dos n. os 3 e 4 do mesmo preceito legal, na interpretação que constitui objeto do presente recurso. O n.º 4 do citado artigo 12.º determina – recorde-se – que se proceda à notificação por via postal simples do requerido, no caso de se frustrar a notificação por via postal registada, se a residência ou local de trabalho para a qual se endereçou a carta registada com aviso de receção coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no n.º 3 do mesmo preceito. A notificação está sujeita ao formalismo prescrito no artigo 12.º-A, aplicável ex vi artigo 12.º, n.º 4, devendo o funcionário judicial juntar ao processo duplicado da notificação enviada e o distribui- dor do serviço postal proceder ao depósito da referida carta na caixa do correio do notificando e certificar a data e o local exato em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria (n. os 2 e 3). Contrariamente ao que sucede com os resultados da consulta nas bases de dados públicas descritos no n.º 5 do artigo 12.º (vários domicílios ou domicílio não coincidente com o indicado pelo requerente), há que reconhecer que as diligências oficiosas desencadeadas pela secretaria judicial para obtenção de informação sobre a residência do requerido apresentam, na hipótese prevista no n.º 4 do artigo 12.º, resultados que permitem concluir, com razoável grau de segu- rança, que o notificando reside na morada para onde antes se remeteu, sem sucesso, a carta registada com aviso de receção. É que aqui, diferentemente do que sucede naquela primeira hipótese, a morada indicada pelo requerente coincide com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços públicos previstos no n.º 3 do mesmo preceito, serviços cuja atividade se relaciona, normalmente, com o dia a dia do cidadão comum, como sublinha o Acórdão n.º 91/04 (ponto 11., p. 7). A constatação em todos os registos públicos legalmente identificados da existência de uma única e mesma morada – hipótese prevista no n.º 4 do artigo 12.º – confere a este dado informativo, do ponto de vista da cor- respondência com a realidade, um valor qualitativamente distinto daquele que se extrai dos resultados díspares ou heterógenos que tenham por fonte os mesmos registos públicos – previstos no n.º 5 do mesmo preceito legal. Nessa primeira hipótese normativa, há a forte probabilidade de o notificando ter aí o seu centro de vida, pressuposto de facto que, sendo relevantíssimo na perspetiva das garantias de defesa do requerido, não pode ser dado por verificado em relação a nenhuma das diferentes moradas que, na segunda hipótese, as bases de dados públicas apresentam . Neste ponto, cumpre salientar a obrigação a que todo e qualquer cidadão nacional está sujeito de obter o cartão de cidadão, documento autêntico que contém os dados relevantes para a sua identificação e inclui, além do mais, o número de identificação civil, o número de identificação fiscal e o número de identificação da segurança

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=