TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. e B. vêm recorrer para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de julho de 2017, que confirmou a condenação de cada um deles como coautor de crimes de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 382.º, com referência aos artigos 28.º e 386, n.º 1, alínea b) , todos do Código Penal. Com o presente recurso visam a fiscalização da constitucionalidade dos artigos 382.º e 28.º, n.º 1, do citado Código na interpretação segundo a qual alguém que não seja funcionário, tal como definido na alínea b) do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal, pode ser condenado pelo crime de abuso de poder, quando essa qualidade de funcionário se verifique nos seus com- participantes e lhe seja estendida, em especial, por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 29.º da Constituição, mas também dos princípios do Estado de direito democrático, da constitucionalidade, da independência dos tribunais, da prevalência da lei, da segurança jurídica e do justo procedimento. 2. Admitidos ambos os recursos e subidos os autos, foram as partes notificadas para alegar. a lei; ademais, encontram-se descritos na lei, de forma precisa, todos os elementos que constituem o tipo de ilícito em causa. IV - Da simples leitura do artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal, em conjugação com o artigo 382.º do mesmo diploma, resulta, sem grau de incerteza ou de indeterminação, que a qualidade de funcionário é, em regra, estendida aos demais comparticipantes, permitindo-se, com isso, ao cidadão a quem a lei penal é dirigida, apreender e interiorizar a comunicabilidade de uma qualidade do agente de um crime – in casu , de funcionário [na aceção do artigo 386.º, n.º 1, alínea b) , do Código Penal] – a um comparticipante, para efeitos de eventual punição; o cidadão dispõe, assim, de elementos para saber que ações e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser condenado por um determinado crime e a sofrer uma determinada pena ou medida de segurança. V - Não incumbe a este Tribunal sindicar o mérito da decisão relativamente à aplicação ou não dessa ressalva, inscrita no enunciado linguístico do n.º 1 do artigo 28.º do Código Penal, ao tipo penal de abuso de poder, na modalidade de comissão por funcionário com a qualidade de agente administra- tivo; a determinação da intencionalidade da norma, para efeitos dessa ressalva, releva essencialmente da interpretação do tipo incriminador e/ou das normas que o completem ou integrem, impondo-se o juízo do tribunal a quo no presente recurso de constitucionalidade como um dado. VI - Os preceitos que encerram os elementos que consentem a punição da conduta dos agentes encon- travam-se legalmente consagrados no Código Penal em momento anterior à prática dos factos – que remontam ao ano de 2009 –, sendo a sua aplicação perfeitamente previsível, não se vislumbrando a violação, na dimensão normativa questionada, de nenhuma das manifestações em que o princípio constitucional da legalidade da lei penal se traduz, tal como vem sendo densificado pela jurisprudência constitucional.

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