TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17.ª) Não podendo aplicar-se o disposto no artigo 28.º do Código Penal ao crime de Abuso de Poder, e não sendo os recorrentes funcionários, nos termos definidos no artigo 386.º, para poder ser-lhes imputada a prática do Crime de Abuso de Poder, p.e p. no artigo 382.º do Código Penal, devem os mesmos ser absolvidos da prática dos crimes de Abuso de Poder por que foram condenados.». 2.2. O Ministério Público, ora recorrido, contra-alegou, sustentando a conformidade constitucional da inter- pretação normativa acolhida na decisão recorrida, mormente no que se refere à alegada violação do princípio da legalidade, salientando, entre o mais: «14.º Desde logo, como devidamente salientado pelo Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, os recorrentes não explicitam nunca, nem concretizam «… em que termos e por que é que, no caso sub judice , esses princípios e subprincípios [por eles indicados] foram desrespeitados pelo tribunal a quo e [nessa medida] o tribunal de recurso não se pronuncia sobre afirmações abstractas». Com efeito, os recorrentes limitaram-se a citar subprincípios e disposições constitucionais, tais como o princípio fundamental do Estado de Direito, o subprincípio do Estado constitucional ou da constitucionali- dade, o subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, o subprincípio da prevalência da lei, o subprincípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos e, por último, o subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento. Não se vê, porém, como qualquer destes princípios ou subprincípios se possa ter mostrado violado pelo Acórdão recorrido, nem os recorrentes indicam como isso terá acontecido. […] 27.º Ora, no caso dos autos, não estamos perante nenhuma situação em que o crime de abuso de poder, e a respetiva sanção, não estivessem previstos na lei à data da prática dos factos pelos quais os ora recorrentes, e os restantes co-arguidos, vieram a ser punidos. Por outro lado, a descrição da conduta proibida e de todos os requisitos de que depende em concreto a sua punição encontra-se feita, na lei penal, de modo a tornar objetivamente determináveis, sem qualquer ambigui- dade, os comportamentos proibidos e sancionados. A mesma lei penal especifica, com efeito, suficientemente, os factos que constituem o tipo legal de crime em apreciação, como sobejamente se viu ao longo das presentes contra-alegações, tipificando devidamente as respetivas penas. Por outras palavras, o legislador não utilizou, relativamente ao crime de abuso de poder, «fórmulas vagas, incertas ou insuscetíveis de delimitação na descrição dos tipos legais de crime» e, muito menos previu «penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto». 28.º Também a doutrina nacional vai no sentido da posição aqui acolhida. Por exemplo, Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição anotada, 2010, pp. 672), referem, a propósito do princípio da tipicidade: “A terceira questão tem que ver com a exigência da determinabilidade do conteúdo da lei criminal. Assim, dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime. Só assim o cidadão poderá saber que acções e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser qualificado criminoso, com a con- sequência de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança. Daqui resulta a proibição de o legislador utilizar cláusulas gerais na definição dos crimes, a necessidade de reduzir ao mínimo possível o recurso a conceitos indeterminados, e o imperativo de não recorrer às chamadas “normas penais em

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