TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

554 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa” (Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 164). Trata-se de um princípio fundamental em matéria de punição criminal e analisa-se, entre outros aspe- tos, na reserva de lei da Assembleia da República na definição de “crimes, penas, medidas de segurança e seus pressupostos, só podendo o Governo legislar sobre essas matérias mediante autorização daquela” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 494). Projeção ou corolário do princípio de legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP, é o princí- pio da tipicidade, que exige (a)«suficiente especificação do tipo de crime (ou dos pressupostos das medidas de segurança), tornando ilegítimas as definições vagas, incertas, insuscetíveis de delimitação»; (b) «proibi- ção da analogia na definição de crimes»; (c)«exigência de determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra diretamente da lei» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, idem ). Em suma, na descrição da conduta proibida, a lei penal tem de ser certa, clara, precisa e rigorosa, ou seja, a tipicidade penal exclui «tanto as fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime, como as penas indefinidas ou de moldura tão ampla, que em tal redunde» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem ). Não se vislumbra que a comunicabilidade de uma qualidade ou relação pessoal do agente de um crime a um comparticipante possa pôr em crise o princípio da tipicidade criminal.” […]» 3. Em virtude da cessação de funções da primitiva relatora, foram os autos objeto de redistribuição. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação  4. No presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, está em causa apurar se a dimen- são normativa acolhida na decisão recorrida, relativa aos artigos 382.º e 28.º, n.º 1, ambos do Código Penal (doravante, CP) – na interpretação, segundo a qual, alguém que não seja funcionário [conceito definido na alínea b) do n.º 1 do artigo 386.º do CP], pode ser condenado pelo crime de abuso de poder, quando essa qualidade de funcionário se verifique nos seus comparticipantes, podendo ser-lhe estendida – posterga, ou não, a Constituição. Para esse efeito, os recorrentes invocam, primeiramente, a violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constitui- ção, que acolheu o denominado princípio da legalidade da lei penal. Além disso, invocam ainda a violação dos artigos 2.º, 3.º n. o 3, 20.º e 205.º da Lei Fundamental, sem que, todavia, indiquem qualquer argumento ou interesse autónomo e que não se mostre já considerado a propósito da avaliação da norma sindicada à luz do princípio da tipicidade penal (cfr. a conclusão 15.ª das alegações dos recorrentes). No fundo, e como também resulta das contra-alegações do Ministério Público, a referência a tais artigos reconduz-se a um mero reforço da alegada violação da tipicidade penal. Justifica-se, por conseguinte, apreciar a conformidade constitucional da dimensão normativa sindicada pelos recorrentes apenas com reporte ao artigo 29.º, n.º 1, da Constituição. 5. O problema que se coloca é o de saber se não ocorrerá, porventura, uma violação do princípio da legalidade criminal quando a lei penal, tal como interpretada na decisão recorrida, prevê que determinada qualidade de um agente, que constitui elemento objetivo de um tipo legal de crime (crime de função), se transmite a outro, que não tem essa qualidade, mas que com o sujeito ativo participou nos factos em coau- toria material.

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