TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

555 acórdão n.º 572/19 Com efeito, no presente caso, os preceitos em causa reportam-se a categorias normativas, dotadas de generalidade e abstração – a comunicabilidade da qualidade de funcionário nas situações de comparticipa- ção, designadamente de coautoria material – pelo que o controlo de constitucionalidade convocado pelos recorrentes não incide sobre o modo como o direito infraconstitucional foi interpretado e aplicado, nem sobre a subsunção de factos num determinado tipo legal de crime. O referente é antes a interpretação nor- mativa resultante da conjugação de dois preceitos (os artigos 28.º, n.º 1, e 382.º, ambos do CP) e a norma deles extraída, em termos gerais e abstratos: pergunta-se se a transmissão, determinada por lei geral e abstrata (artigo 28.º, n.º 1, do CP), de uma qualidade jurídica (definida em termos gerais e abstratos na norma ins- trumental do artigo 386.º do CP) de um indivíduo a outro, numa situação de coautoria material (conceito jurídico geral e abstrato) configura uma violação do princípio da legalidade. 6. Nas instâncias que analisaram o processo-base ficaram assentes os seguintes factos, que aqui se refe- rem por poderem contribuir para o melhor esclarecimento da questão decidenda: a) O arguido C., desde 17 de agosto de 1984, que tomou posse na função pública, sendo que, desde 30 de março de 1987 até 29 de junho de 2011, desempenhou, sucessivamente, as funções das categorias de liquidador tri- butário de 2.ª, técnico tributário, técnico de administração tributária, nível 1; b) A 4 de fevereiro requereu e foi-lhe concedida uma comissão de serviço na Distrital de Finanças do Porto, na área da Justiça Tributária, na divisão de representantes da Fazenda Pública; c) Após 1 de outubro de 2009, passou a exercer as funções de representante da Fazenda Pública, nos Tribunais Administrativos e Fiscais do Porto, de Penafiel e de Braga, o que fez até 29 de junho de 2011; d) No âmbito das suas funções competia-lhe, entre outras, representar a administração tributária, recorrer e inter- vir em patrocínio da Fazenda Pública, promover o rápido andamento dos processos; e) Desde pelo menos o ano de 2007, que o arguido C. contou com a ação desenvolvida pelo arguido A., visando a angariação e encaminhamento de interessados nos serviços que o arguido C., ao arrepio dos deveres legais, estava a praticar como advogado inscrito na Ordem dos Advogados, com cédula profissional, em acumulação de funções como representante da Fazenda Nacional; f ) O arguido A. encontrava-se registado na respetiva Ordem, como técnico oficial de contas, apresentando-se como auditor e consultor financeiro de fiscalidade e contabilidade, gestão e serviços, o que lhe conferia conhe- cimento de várias situações relacionadas com a Administração Fiscal; g) O arguido A. tinha conhecimento das funções exercidas pelo arguido C., na repatriação das Finanças de Vila Nova de Gaia e ulteriormente como representante da Fazenda Nacional, sabendo ainda que o arguido C., a troco de contrapartida monetária, se aprestava a, através do seu desempenho funcional, por causa dele ou valendo-se dele, com violação dos seus deveres, intervir em situações que se relacionassem com a Autoridade Tributária, sendo que para ele encaminhava as quantias combinadas, preferencialmente em numerário, desse modo tentando anular qualquer rasto da sua proveniência; h) O arguido B. esteve coletado, entre 1997 e 2005, para o exercício da atividade de consultadoria para negócios e gestão, sendo TOC registado e sócio-gerente de uma empresa de importação e exportação de têxteis; i) Os arguidos acordaram entre si, a troco de contrapartida monetária, que o arguido C. se encarregaria de, pelo menos, elaborar peças processuais, assinadas pelo arguido B., que levassem ao protelamento dos vários proces- sos executivos que pendiam sobre a empresa acima descrita, com o propósito de atingir a prescrição das dívidas fiscais; j) O arguido C. foi condenado na pena única de 7 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso de poder, quatro crimes de falsidade informática, quatro crimes de corrupção passiva para ato ilícito e um crime de falsi- ficação de documento; l) O arguido B. foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º, com referência ao disposto nos artigos 28.º e 386.º, n.º 1, alínea b) , ambos do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução;

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