TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

556 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL m) O arguido A. foi condenado pela prática, em coautoria material e em concurso real por três crimes de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º, com referência ao disposto nos artigos 28.º e 386.º, n.º 1, alínea b) , ambos do Código Penal, fixando-se, em cúmulo jurídico, a pena única de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução. Recorde-se, também, conforme expressamente afirmado na decisão recorrida que «a regra [da comunicabi- lidade se reporta] apenas à ilicitude do facto, estando excluída a sua aplicação a qualidades ou relações que, apenas, façam variar a culpa do agente, em que impera a regra da estrita pessoalidade (artigo 29.º do Código Penal)» (v. fls. 559). 7. Segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, «[n]inguém pode ser criminalmente sentenciado senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior». O princípio aqui consignado é um “princípio-garantia”; visa, portanto, “instituir direta e imediatamente uma garantia dos cidadãos” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, p. 1167; vide, também, o Acórdão n.º 183/08, acessível, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ). O princípio da legalidade é uma “garantia dos cida- dãos”, uma garantia que a nossa Constituição explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias relevando, assim, toda a carga axiológico-normativa que lhe está subjacente. Assim, no que concerne à teleologia do preceito, esclarece o Acórdão n.º 79/15 que «o princípio da lega- lidade penal encontra a sua matriz na garantia do cidadão perante o Estado, protegendo-o contra interven- ções punitivas arbitrárias, ganhando progressivamente o reforço fundamentador dos princípios democrático e da separação de poderes, com atribuição ao parlamento da competência exclusiva para definir os crimes e estabelecer as penas, e também um fundamento interno, político-criminal, por constituir exigência lógica da função de prevenção (geral e especial) e do princípio da culpa que a lei penal seja clara, precisa e anterior aos factos». O princípio da legalidade comporta várias vertentes, fundando-se o seu núcleo essencial na interdição de existência de crime ou pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 164). No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 494) argumentam que do princípio da legalidade penal decorrem os seguintes corolários: a) exigência de suficiente especificação do tipo de crime (ou dos pressupos- tos das medidas de segurança), tornando ilegítimas as definições vagas, incertas ou insuscetíveis de delimita- ção; b) proibição da analogia na definição de crimes; c) exigência de determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra diretamente da lei. Em suma, na descrição da conduta proibida, e na previsão da sanção, a lei penal tem de ser certa, clara, precisa e rigorosa. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que são punidas pelo direito criminal. Nesta aceção, o princípio da legalidade manifesta-se no princípio da tipicidade, cujo sentido é o de impor ao legislador penal o ónus de, ao definir os tipos legais de crime, o fazer através da descrição precisa e certa do comportamento proibido, sem recurso a formulações vagas, incertas ou insuscetíveis de delimita- ção. O princípio da tipicidade implica necessariamente uma exigência de determinabilidade do conteúdo da lei penal, desde logo por estar em causa a proteção do indivíduo perante o exercício do poder punitivo do Estado. Neste sentido, afirma-se no Acórdão n.º 105/13 o seguinte: «O princípio da tipicidade tem que ver, assim, com a exigência da determinabilidade do conteúdo da lei criminal. Conforme escreve Taipa de Carvalho ( Constituição Portuguesa Anotada, org. por Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Wolters Kluwer Portugal – Coimbra Editora, 2010, pág. 672), «dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva

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