TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

575 acórdão n.º 578/19 de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que ‘os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei’. Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empregadores (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada , I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, 777). […] Como a norma [da alínea a) do n.º 1] expressamente acentua – nos seus próprios termos, tem-se em vista ‘garantir uma existência condigna’ –, o reconhecimento de tal direito exprime o valor básico da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), constituindo, no seu específico âmbito de proteção, um instrumento do preenchimento das condições materiais da realização deste valor. E o relevo nuclear do direito à (justa) remu- neração do trabalho é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de garantias especiais para os salários (n.º 3 do artigo 59.º). […]”.  Por outro lado, “é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (v., entre muitos, os Acórdãos n. os 620/07 e 396/11), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição)” (Acórdão n.º 510/16).  2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garan- tias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 777). Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando- -se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitu- cional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).  2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2.,  supra ) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar. De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2.,  supra ), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos proces- suais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exem- plo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente

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