TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

577 acórdão n.º 578/19 sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de incons- titucionalidade que constituiu a respetiva  ratio decidendi . Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à sacie- dade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2.,  supra ) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto d[e] estes não dispo- rem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o com- portamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).  2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano  (referido  supra  no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado‑Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.  2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma  sub judicio , confirmando a esse respeito a decisão recorrida. (…)» 6. A situação subjacente aos presentes autos não é inteiramente idêntica à que estava em causa no caso do Acórdão n.º 328/18 (cfr. o ponto 2.1. da Fundamentação) Com efeito, no circunstancialismo subjacente a este aresto, o contrato de trabalho dos aí autores havia cessado em 4 de março de 2014 e, posteriormente, em 26 de agosto de 2014, foi requerida a insolvência da entidade patronal, que veio a ser decretada em 17 de março de 2015. Em 5 de novembro de 2015 os mes- mos autores reclamaram os seus créditos na insolvência e, no mesmo dia, requereram ao FGS o pagamento dos créditos emergentes dos contratos de trabalho que não haviam sido pagos. Este último requerimento foi indeferido em 26 de maio de 2016 com fundamento no artigo 2.º, n.º 8, do RFGS (em vigor desde 4 de maio de 2015; cfr. o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril; vide, também, as normas transi- tórias dos n. os 1 e 2 do artigo 3.º do mesmo diploma). Atentos estes factos, o Tribunal Constitucional considerou que o que estava em causa, como pressuposto do problema de constitucionalidade submetido à sua apreciação, era saber se, na contagem do prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do RFGS «é possível incluir um período temporal (…) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito», por entender que assim se criava «uma evidente antinomia: o trabalhador- -credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível –  rectius , possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.». 7. No caso sub iudicio , a cessação do contrato de trabalho e a declaração de insolvência do antigo empre- gador ocorreram, respetivamente, em 1 de outubro de 2015 e em 16 de julho de 2015 (cfr. ponto 2, supra ), portanto, já depois da entrada em vigor do RFGS.

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