TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

585 acórdão n.º 587/19 de deveres, por referência à concreta ameaça penal que se pretende acautelar, ameaça essa que não pode ser limitada ou combatida colocando em risco a vivência digna em comunidade do condenado. Do exposto resulta que a imposição de deveres ao condenado, nos termos e ao abrigo do artigo 51.º n.º 1 do CP, não pode violar os direitos fundamentais do condenado, o que aconteceria caso o cumprimento do dever colo- casse em causa o mínimo necessário para a subsistência deste último, entendido este mínimo de subsistência como, não apenas o direito a alimentação, vestuário e calçado, como igualmente o próprio direito à habitação e saúde. Mais se diga que, a interpretação sufragada, vinda de referir, redunda na maior gravidade do dever imposto pela suspensão da execução da pena do que pela execução da própria pena principal, o que claramente contraria a ratio Legis subjacente a este último instituto e enferma de inconstitucionalidade, por violação do artigo 18.º n.º 2 da CRP. III – Conclusões: 1. A interpretação do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal [CP], na dimensão interpretativa normativa segundo a qual é admissível que a suspensão na execução da pena aplicada em concreto possa ser fixada em dobro do tempo máximo da pena abstrata prevista na moldura penal do tipo legal de crime é inconstitucional por vio- lação do princípio da proibição do excesso e do princípio odiosa sunt restringenda , consagrados, ambos, no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP]. 2. Atenta a qualificação da suspensão da execução da pena como uma pena de substituição, a suspensão da execução da pena é tida como forma de individualização da pena principal, encontrando-se, como tal, numa dependência material e funcional à pena principal; 3. Por tudo quanto vem referido, temos que, ter-se-á que aplicar à suspensão da execução da pena de prisão os mesmos critérios e princípios que presidem à escolha e determinação/dosimetria da pena principal, entre os quais se contam, designadamente, o princípio da proibição do excesso e o princípio odiosa sunt restringenda . consagrados, ambos, no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP]; 4. Deste modo, a concretização do período da suspensão da execução da pena, previsto no artigo 50.º n.º 5 do CP, deverá ser precedida de um juízo de necessidade, adequação e proporcional idade, em cumprimento do artigo 18.º n.º 2 da CRP; 5. A aplicação dos princípios da proibição do excesso e o princípio odiosa sunt restringenda , à suspensão da execução da pena, encontra fundamento, bem está de ver, não apenas na ligação funcional e material entre a refe- rida pena de substituição e a pena principal, como igualmente na restrição imposta pela sua aplicação aos direitos, liberdades e garantias do condenado, que verá condicionado o seu livre arbítrio e comportamento, no período que perdurar a duração da suspensão da execução da pena de prisão; 6. A restrição operada pela suspensão da execução da pena aos direitos, liberdades e garantias do condenado, materializada, designadamente, no período que perdurar a suspensão da execução da pena, deverá, deste modo, ter em conta a concreta ameaça penal contida no tipo de crime em causa, cuja pena principal [cuja execução é suspensa] pretende acautelar; 7. O tempo máximo da pena prevista para o crime – no caso em que a interpretação do CP – significa que o legislador entendeu que a ameaça penal subjacente ao tipo de crime em causa fica assegurada com a estipulação de um limite máximo, concretamente identificado, para a sua pena; 8. Termos em que, condicionar a suspensão da execução da pena a período superior ao do tempo máximo da pena abstrata é desproporcional e desadequado à concreta ameaça penal dada pelo tipo de crime em causa, encontrando-se em manifesta contradição com as razões de prevenção geral e especial que levaram o legislador a fixar o referido tempo máximo da pena abstrata; 9. Pelo que, em cumprimento do artigo 18.º n.º 2 da CRP, o artigo 50.º n.º 5 do CP deverá ser interpretado em apreço à interpretação que sufraga que o período de duração da suspensão da execução da pena de prisão não pode ultrapassar o tempo máximo da pena abstrata para o crime em causa, cuja execução se visa suspender; 10. Deste modo, bem está de ver que a interpretação do artigo 50.º n.º 5 do CP, com a alteração dada pela Lei 94/2017 de 23 de agosto terá de ter em consideração os pressupostos anteriores, devendo a referida interpretação

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