TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

586 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ser uma interpretação sistemática, em harmonia e cumprimento com os princípios basilares de direito penal e constitucional – nos quais se contam o princípio da proibição do excesso – e não uma interpretação literal; 11. A desproporcionalidade dada pela interpretação vinda de referir é de tal maneira gritante que, no limite, trans- forma a suspensão da execução da pena em medida mais gravosa – à revelia da intenção legislativa – do que a própria pena de prisão cuja execução se visa suspender, desvirtuando de efeito útil a sua execução, sendo mais “benéfico” ao condenado cumprir a pena de prisão – de duração manifestamente inferior – do que condicionar o seu comporta- mento à concreta execução da suspensão da pena de prisão, por período desproporcionalmente superior; 12. Por todo o exposto se conclui que a interpretação normativa do artigo 50.º n.º 5 dada pelo Tribunal a quo, na sentença datada de 8 de março de 2018 e confirmada pelo Tribunal da Relação, no acórdão de 12 de dezembro de 2018, segundo a qual é admissível que a suspensão na execução da pena aplicada em concreto possa ser fixada em dobro do tempo máximo da pena abstrata prevista na moldura penal do tipo legal de crime, é inconstitucional por violação do artigo 18.º n.º 2 da CRP; 13. Mais se diga que, a interpretação do artigo 51.º alínea c) do n.º 1, em conjugação com o artigo 50.º n.º 2, todos do CP, na dimensão interpretativa normativa segundo a qual é admissível ao tribunal subordinar o arguido a um dever de pagamento de uma quantia monetária muito elevada, suscetível de colocar em causa a sua vivência digna em comunidade é inconstitucional por violação do princípio da proibição do excesso e do princípio odiosa sunt restringenda consagrados, ambos, no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP]. 14. A sujeição da suspensão da execução da pena a determinados deveres, como seja o pagamento da quantia de 10 000 € (dez mil euros) ao Centro de Reabilitação de Alcoitão, conforme veio o Tribunal a quo, na sentença datada de 08 de março de 2019, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 12 de dezembro de 2018, tem de respeitar o princípio da proporcionalidade e do princípio da odiosa sunt restringenda , consagrados, ambos, no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP]. 15. A imposição ao condenado do dever de pagamento da quantia de 10 000 € (dez mil euros) ao Centro de Reabilitação de Alcoitão é manifestamente gravosa e desproporcional, colidindo com os direitos fundamentais do condenado, com consagração constitucional, nos quais se incluem o mínimo de subsistência, entendido este como o acesso ao direito à alimentação, vestuário, calçado, habitação e saúde; 16. Termos em que, atenta a restrição aos direitos, liberdades e garantias do condenado, infringida pela sus- pensão da execução da pena, o artigo 18.º n.º 2 da CRP prescreve que a aludida restrição terá de ser necessária, adequada e proporcional à ameaça penal que se pretende acautelar; 17. Sendo imperioso, por um lado, que o condenado se encontre em condições de cumprir os referidos deveres e, por outro, que os mesmos deveres sejam revestidos de necessidade, adequação e racional idade. 18. Por todo o exposto se conclui que, a interpretação normativa do artigo 51.º alínea c) do n.º 1, em conju- gação com o artigo 50.º n.º 2, todos do CP, dada pelo Tribunal a quo, na sentença datada de 8 de março de 2018 e confirmada pelo Tribunal da Relação, no acórdão de 12 de dezembro de 2018, segundo a qual é admissível que a suspensão da execução da pena possa ter como consequência a violação dos direitos fundamentais do condenado – nos quais se inclui a vivência digna em comunidade ou mínimo de subsistência – enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 18.º n.º 2 da CRP». 5. O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, como se transcreve: «[…] III. Da interposição do recurso de constitucionalidade e da definição do seu objeto 9.º Novamente inconformado, veio o arguido, em 8 de janeiro de 2019, interpor recurso deste Acórdão, do Tribu- nal da Relação de Lisboa, para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 84-86, 91-93 dos autos). Suscita, para tanto, as seguintes questões de constitucionalidade (cfr. fls. 84-85 dos autos):

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