TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pelo qual, naquele caso, se quis prosseguir o interesse de todos. É a isso mesmo que nos referimos, quando aludimos à “finalidade” ou “razão de ser” de cada decisão estadual é à necessidade da sua inteligibilidade. Ora, o que o princípio da proibição do excesso postula é que entre o conteúdo da decisão estadual e o fim que ela prossegue haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida”. Não se utilizam canhões para atirar a pardais: as vantagens (obtidas por todos) através da medida estadual devem ser pro- porcionais às desvantagens que tal medida tenha eventualmente causado a alguns membros da comunidade jurídica, de tal modo que o peso da decisão pública nunca venha a exceder o quantum requerido pela pros- secução do seu fim.» (Autora cit., A Forma da República – Uma introdução ao estudo do direito constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 186) E, na verdade, a proibição do excesso (ou a proporcionalidade em sentido amplo) tem vindo a ser reco- nhecido como princípio geral de limitação do poder público, pertinente para sindicar atuações públicas que interfiram, por exemplo, com direitos económicos, sociais e culturais. Tal aponta decisivamente para uma base normativo-constitucional daquele princípio que seja o mais abrangente possível. Nesse sentido, o Acórdão n.º 187/01, afirmou que «[r]elativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de propor- cionalidade resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito. Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas». Com efeito, o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelas suas conotações históricas e devido à sua natureza de “princípio fundamental”, é expressão da ideia de que a garantia da liberdade, igualdade e segurança dos cidadãos se funda na sujeição do poder público a normas jurídicas: um Estado informado pela ideia de Direito não pode, sem negar a sua essência, ser um Estado prepotente, arbitrário ou injusto (cfr. os Acórdãos n. os 205/00 e 491/02). Nessa perspetiva, o Acórdão n.º 73/09 entendeu «o princípio da proporcionalidade [como um] princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado (também o Estado‑legislador) adequar a sua ação aos fins pretendidos, e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou restritivas». Deste modo, «as decisões que o Estado ( lato sensu ) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias, e [tal] fina- lidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um “ Estado proporcional ”» (cfr. o Acórdão n.º 387/12; itálico aditado). Por isso, as atuações dos poderes públicos, justamente pelo facto de não poderem ser ilimitadas nem arbitrárias, são perspetivadas em cada caso concreto, real ou representado, como meios para atingir um certo fim – pressupondo-se naturalmente a legitimidade constitucional tanto dos primeiros como do segundo. Assim: «[S]e se tolerasse que os encargos impostos pelas suas decisões aos cidadãos fossem desmedidos, não justi- ficados pelos seus fins específicos e – por isso mesmo – levianos, dificilmente se conseguiria assegurar a ideia segundo a qual a atividade estadual deve surgir, para os seus destinatários, como algo sério, seguro ou confiável. Ora […] um poder político assim, incapaz de merecer a confiança daqueles a quem se dirige, não pode ser nunca um poder limitado pelo direito e destinado a garantir a justiça, a dignidade da pessoa humana e a liber- dade. O princípio da proibição do excesso, que postula a mensurabilidade de todos os atos estaduais, integra o conteúdo material do princípio do Estado de direito exatamente pelas mesmas razões por que o fazem os outros princípios […] e que visam assegurar a calculabilidade possível dos comportamentos públicos. É que

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