TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

594 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No despacho que determinou o prosseguimento dos autos para a fase de alegações, recorrente e recor- rido foram advertidos para a possibilidade de o objeto do recurso não vir a ser conhecido no segmento inte- grado pela segunda das questões acima identificadas pelo facto de a mesma não revestir caráter normativo. À impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso, tal como perspetivada no referido despacho, não opôs o recorrente qualquer objeção expressa, tendo-se limitado a reiterar, nesta parte, o que afirmara já no requerimento de interposição do recurso, isto é, a reproduzir, nos seus exatos termos, a formulação acima reproduzida, procurando demonstrar a sua incompatibilidade com os princípios constitucionais cuja violação lhe imputa. Já o Ministério Público secundou a impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso quanto à segunda das questões enunciadas pelo recorrente, sustentando que a interpretação impugnada se encontra indissoluvelmente ligada às circunstâncias do caso concreto, apreciadas e valoradas pelas instâncias no âmbito da apreciação da culpa do arguido e da avaliação da sua situação económica, bem como das necessidades de prevenção geral e especial que considerou deverem ser acauteladas no caso concreto. 7. Para verificar se, neste seu segmento, o recurso é legalmente admissível, importa ter presente que um dos pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC se prende com a idoneidade do respetivo objeto. Conforme tem este Tribunal reiteradamente afirmado, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, têm, por força do dis- posto no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição, um objeto estritamente normativo, no sentido em que apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou dimensões normativas, e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa própria instâncias, nem a estas se substituir na determinação do substrato factual da causa, na definição da cor- reta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cfr. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que a decisão recorrida lhes houver especificamente associado. Tendo em conta o modo como a questão foi enunciada no requerimento de interposição do recurso, sem dificuldade se verifica que o vício invocado pelo recorrente é atribuído diretamente ao acórdão recor- rido, relevando exclusivamente da crítica ao julgamento levado a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que, “em face dos rendimentos auferidos pelo arguido, e tendo em vista as prementes exigências de prevenção especial”, teve como “ajustada” a subordinação da suspensão da execução da pena à obrigação de pagamento imposta em primeira instância e por “proporcional” o montante para o efeito fixado. Mais até do que fazer coincidir o objeto do recurso com o juízo formulado pelo tribunal a quo, o que o recorrente verdadeiramente faz é transpor para a asserção que pretende ver sindicada – recorde-se, «a alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º em conjugação com o n.º 2 do artigo 50.º, todos do CP», na interpretação segundo a qual «é admissível ao tribunal subordinar o arguido a um dever de pagamento de uma quantia monetária muito elevada, suscetível de colocar em causa a sua vivência digna em comunidade» – a sua própria aprecia- ção acerca da justeza e adequação da condição a que as instâncias subordinaram a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, o que coloca o objeto do recurso irremediavelmente fora dos poderes de cognição constitucionalmente atribuídos a este Tribunal. Com efeito, por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cfr. Decisão Sumária n.º 23/17).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=