TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

598 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ao desvincular a duração do período de suspensão da pena máxima abstratamente cabida ao crime, permitindo que aquele possa atingir (ou até ultrapassar) o dobro desta, a solução legal impugnada nada tem, contudo, de arbitrário, excessivo ou censurável. Pelo contrário: longe de poder «transforma[r] a suspensão da execução da pena em medida mais gra- vosa», desvirtuando, «no limite, [...] de efeito útil a sua execução», a possibilidade de fixar o período de suspensão entre um e cinco anos, independentemente de qual seja o limite máximo da moldura abstrata da pena prevista para o crime – no caso presente, um ano de prisão (artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal) – é condição da própria eficácia político-criminal da pena de suspensão da execução da pena no domínio da pequena criminalidade e, consequentemente, da possibilidade de a mesma constituir, também aí, uma verda- deira e efetiva alternativa à privação de liberdade, sobretudo nas hipóteses em que nenhuma das outras penas de substituição aplicáveis ao caso se revele apta a satisfazer, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Em situações de condenação por crime cuja pena máxima de prisão não exceda um ano – como sucede com o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal, por cuja prática foi condenado o ora recorrente –, mas em que se registem acentuadas exigências de prevenção (geral, especial ou ambas), com facilidade se percebe que, para assegurar as finalidades da punição, a medida concreta da pena de substituição careça, as mais das vezes, de ultrapassar aquele limite máximo, fixando-se no seu dobro, triplo, etc., consoante os pressupostos em que assente o juízo de prognose formulado pelo tribunal. No domínio da pequena criminalidade, a pena de suspensão da execução da pena necessita de um tempo quase sempre superior (ou até mesmo significativamente superior) tanto à medida concreta da pena aplicada a título principal, como ao máximo legalmente admissível para o tipo de crime em causa, de modo a cumprir a sua função de pena de substituição em sentido próprio. Isto é, a função de, em alternativa à pena de prisão em lugar da qual é aplicada e executada, assegurar a tutela retrospetiva do bem jurídico violado através da prática do ilícito-típico, dirigindo simultaneamente ao condenado um apelo suficientemente per- suasivo no sentido da sua reconciliação com o dever-ser jurídico-penal. Até pela validade das razões em que se baseia – que excluem, à evidência, qualquer indício de arbítrio ou de excesso –, o critério impugnado não merece, pois, qualquer censura à luz do princípio da propor- cionalidade das penas, extraível do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Os fundamentos em que se apoia, justificam, pelo contrário, o inequívoco respeito pela liberdade de conformação do legislador, que é aquele a quem a Constituição confia a tarefa da “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos” [cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea c) ] (cfr. Acórdão n.º 108/99). Por tudo o que exposto fica, é de concluir que a norma prevista n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na interpretação segundo a qual «a suspensão da execução da pena aplicada em concreto pode ser fixada em dobro do tempo máximo da pena abstrata prevista na moldura penal do tipo legal de crime objeto da conde- nação», é insuscetível de qualquer juízo positivo de inconstitucionalidade. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não conhecer do objeto do recurso, no segmento integrado pela interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do Código Penal, em conjugação com o n.º 2 do artigo 50.º do mesmo diploma legal, segundo a qual é admissível ao tribunal subordinar o arguido a um dever de pagamento de uma quantia monetária muito elevada, suscetível de colocar em causa a sua vivência digna em comunidade; b) Não julgar inconstitucional o n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, quando interpretado no sen- tido de que suspensão da execução da pena aplicada em concreto pode ser fixada em dobro do

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