TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL bem existente no seu património não seja, atenta a específica afetação do mesmo, subtraído a essa garantia patrimonial – que deverá ser avaliada a ponderação efetuada pelo legislador, no sentido de saber se a mesma ultrapassa o limite imposto pelo princípio da proporcionalidade. IV - O direito à habitação, reconhecido no artigo 65.º, n.º 1, da Constituição, tal como outros direitos sociais, desdobra-se numa dupla vertente: por um lado, uma vertente de natureza negativa, que se traduz no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de atos que prejudiquem tal direito; por outro lado, uma vertente de natureza positiva, correspondente ao direito a medidas e prestações estaduais visando a sua promoção e proteção; o direito à habitação, constitucionalmente garantido, não abrange o direito a ser proprietário de um imóvel onde se tenha a habitação, não se podendo configurar como constitucionalmente imposto, enquanto exigência decorrente da proteção do direito à habitação, uma solução no sentido de, nas relações entre particulares, consagrar um regi- me de impenhorabilidade da casa de morada de família. V - A circunstância de o imóvel penhorado não ter sido dado em garantia da dívida não assume particular relevância, pois a existência de tal garantia especial não impede o credor de continuar a beneficiar da garantia geral das obrigações, por isso, a circunstância de sobre o imóvel que seja habitação própria permanente do executado não incidir qualquer garantia real apenas tem como consequência que a penhora não se inicie pelo mesmo; mas tal circunstância não impede que o imóvel em causa possa vir a ser penhorado, nos termos gerais, uma vez verificados os respetivos pressupostos, designadamente os previstos na norma ora questionada; assim, a questão de constitucionalidade a apreciar reconduz-se apenas a saber se tais pressupostos, que resultam de uma ponderação efetuada pelo legislador, violam algum parâmetro constitucional. VI - A norma sindicada não permite a penhora imediata, em quaisquer circunstâncias, de bens imóveis, e concretamente, do imóvel correspondente à casa de morada de família do executado; a lei estabelece critérios a respeito da ordem de realização da penhora, no sentido de dar preferência àqueles bens que permitam a satisfação, pela via mais simples e célere, da quantia exequenda, sem que se prejudiquem, para além do estritamente necessário, os interesses patrimoniais do executado; só em caso de falta ou de insuficiência destes bens é que, nos termos legalmente previstos, se permite a penhora de bens imóveis – mesmo que o seu valor se estime como excessivo face ao montante do crédito exequendo –, quando seja de presumir que a penhora de outros bens não permitirá a satisfação integral do credor no prazo de seis meses; se o imóvel for habitação própria permanente do executado, este prazo é dilatado para o dobro ou para o triplo, consoante o valor da dívida não exceda ou exceda metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância; quanto maior for o valor da dívida, mais prazo é concedido para se penhorarem bens alternativos à habitação própria permanente do executado que permitam a satisfação integral do credor; isto significa que o legislador ponderou a especificidade da penhora de um imóvel que corresponda à casa de morada de família do executado. VII - Por outro lado, e em qualquer caso, este regime não constitui uma afetação arbitrária do direito de propriedade do devedor, tendo em conta o correspondente direito do credor a ver satisfeito o seu crédito; sendo certo que é merecedora de ponderação a circunstância de o imóvel penhorado ser a habitação do executado, a verdade é que tal facto não foi desconsiderado pelo legislador; desde logo, porque a simples penhora do imóvel não afeta, em termos diretos e imediatos, a possibilidade de o executado, pelo menos até à venda executiva, continuar a residir no imóvel, na medida em que, neste caso, a lei prevê que este seja nomeado depositário do mesmo; por outro lado, uma vez efetuada a

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