TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

605 acórdão n.º 612/19 não ser necessário e adequado perante as condições apresentadas, de trabalho, e rendimento fixo do proponente, agora devedor, considerando que tais condições eram e são suficientes para o pagamento), 3 – e o facto de, como se disse, o imóvel constituir casa de morada de família do exequente e família alargada. 4 – Ora, acrescendo a este último facto, o de o valor da execução – já com juros incluídos – ser cerca de 1/5 do valor tributário do imóvel (ainda que não se encontre apurado o valor real, que é seguramente superior) e o de o executado ser trabalhador efetivo do Estado, e ter o seu salário penhorado nos autos, julga-se ser manifesto que a penhora da casa de morada de família viola de forma flagrante, os princípios da adequação e da proporcionalidade, que constituem princípios constitucionais basilares do Estado de Direito. 5 – No caso de assim não se entender, o que se admitindo em tese não se concede, argumentando-se que a penhora efetuada respeita o preceituado no artigo 834.º, n.º 2, al. l do C. P. Civil (na versão anterior) – artigo 751.º, n.º 3 na nova versão –, sempre se dirá que tal norma não pode ser aplicada sempre que esteja em causa a casa de morada de família e esse imóvel não esteja dado de garantia para o pagamento da dívida (como é o caso dos autos), por tal norma ser inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, uma vez que confere maior proteção, sem justificação, ao credor da obrigação (que não é hipotecário) em relação ao devedor, sendo certo que, no caso deste último, existem interesses de particular relevância social a considerar, como seja o direito à habitação. 6 – Note-se que o credor poderia e deveria, neste caso, não ficando prejudicado por esse motivo, permitir a renegociação dos termos do empréstimo e obtendo, como garantia, o dito imóvel, conciliando-se, desta forma os direitos de ambas as partes. 7 – Isto é, a norma que permite que se penhore a casa de morada de família (que não foi dada de garantia, designadamente de hipoteca) quando não se consiga, mediante penhora de outros bens, pagar a dívida no prazo de dezoito meses, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e razoa- bilidade, quer quanto ao prazo ali estipulado, quer quanto ao objeto da penhora, e violação do artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa. 8 – Na verdade, com a penhora do imóvel, que é casa de morada de família, verifica-se uma violação do artigo 65.° da Constituição da República, que defende que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família.”. 9 – Por ser assim, não deve ser aplicada a norma do artigo 834.º, n.º 2, al. 1 do C. P. Civil (na versão anterior) – artigo 751.º, n.º 3 da nova versão –, por ser inconstitucional. 10 – OTribunal a quo ao assim não decidir, violou pelo menos os princípios da proporcionalidade e adequação e o artigo 65.° da Constituição da República Portuguesa. Nesta conformidade, o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente a declaração da inconstitucionalidade dos normativos em causa.» Cumpre apreciar e decidir II – Fundamentação A) Da delimitação do objeto do recurso 4. O requerimento de interposição do recurso não é totalmente claro quanto à norma cuja constituciona- lidade se pretende sindicar. Em termos literais, refere no seu n.º 1 o «artigo 834.º, n.º 2, al. 1 do C.P.Civil (na versão anterior) – artigo 751.º, n.º 3 do C.P.Civil (nova versão)» e faz menção no n.º 2 ao requisito negativo da penhora de imóvel que seja habitação própria permanente do executado: «quando não se consiga, mediante penhora de outros bens, pagar a dívida no prazo de dezoito meses (ou 12 meses)». A primeira referência aponta

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