TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

612 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL valor da dívida exequenda, confere, sem justificação bastante, maior proteção ao credor, sem ter também em atenção o facto de o imóvel em causa não ter sido dado como garantia para pagamento do crédito em execu- ção nos autos, concluindo, por isso, que se mostram violados «os princípios da adequação e da proporciona- lidade da penhora». Ou seja, embora não o refira expressamente, o recorrente sustenta que é excessiva a res- trição ao direito de propriedade sobre o imóvel penhorado que corresponda a habitação própria permanente do executado (daí a referência aos princípios da adequação e proporcionalidade da penhora), na medida em que, na sua perspetiva, o regime do artigo 751.º, n. os 1 a 3, do CPC, na sua redação originária, confere maior proteção, sem justificação, ao credor da obrigação (que não é hipotecário) em relação ao devedor. Por outro lado, e pelas mesmas razões, sustenta ainda que a norma sindicada, ao permitir a penhora da casa de morada de família (que não foi dada de garantia, designadamente através da constituição de hipoteca) quando não se consiga, mediante penhora de outros bens, pagar a dívida num determinado prazo, viola o artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (direito à habitação). Acresce que, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade da mesma norma, por violação do princípio da igualdade, uma vez que, conforme alega, na prática, impõe um regime menos favorável para o devedor não hipotecário, na medida em que, e ao contrário do devedor hipotecário, o devedor comum não beneficia do regime legal imposto ao credor hipotecário de proceder obrigatoriamente à renegociação da dívida antes de recorrer a processo judicial, ainda que o valor em dívida seja manifestamente inferior ao valor tributário da casa de morada de família. 13. Conforme referido, o credor goza de um direito à satisfação do seu crédito, podendo, em caso de incumprimento, exigir a realização executiva do seu direito de crédito, à custa do património do devedor (cfr. o ponto 6., supra ). Este direito do credor, enquanto direito de conteúdo patrimonial, é também tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição (CRP), que encerra a garantia (institucional e individual) da propriedade privada. Com efeito, o conceito constitucional de propriedade é mais amplo que o conceito civilístico tradicio- nal, baseado no paradigma oitocentista, abrangendo, para além da proprietas rerum , também a propriedade científica, literária ou artística e outros direitos de valor patrimonial, como sejam os direitos de crédito (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 800, e Jorge Miranda e Rui Medeiros,  Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1246-1247). Neste mesmo sentido se tem também pronunciado o Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 68/97, 491/02 e 273/04 e, especificamente no que respeita ao direito do credor à satisfação do seu crédito, os Acórdãos n. os 349/91, 494/94, 51/99, 318/99 e 374/03, todos acessíveis, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ). De acordo com a mesma jurisprudência, o direito do cre- dor à satisfação do seu crédito decorre da garantia constitucional do direito de propriedade e aquele direito congloba, naturalmente, a possibilidade da sua realização coativa, à custa do património do devedor. Assim, o artigo 601.º do Código Civil, ao estabelecer que «pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora», constitui uma expressão, a nível da legislação ordinária, da tutela constitucional do direito do credor. Estando este direito à satisfação dos créditos à custa do património do devedor abrangido pela garantia constitucional do direito de propriedade privada, decorre também dessa mesma garantia a tutela do interesse do devedor em que o seu património não seja onerado para além da medida correspondente à sua respon- sabilidade. Com efeito, na perspetiva do recorrente, a possibilidade de penhora de imóvel que constitui a sua habitação, nos termos previstos pela norma questionada nos autos, determina uma colisão entre aqueles direitos do credor e do devedor, cuja superação implica que se proceda à ponderação das situações envolvidas. Nessa medida, o direito fundamental à propriedade encontra-se presente na questão de constitucionalidade em análise, quer enquanto direito do credor a fazer-se pagar do valor do seu crédito à custa do património do

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