TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

613 acórdão n.º 612/19 devedor, quer enquanto direito do devedor a não ver sacrificado o seu património para além do necessário à satisfação daquele direito do credor. Uma das dimensões integrantes do conteúdo da garantia constitucional do direito de propriedade é o direito de não ser privado da propriedade (nem do seu uso) de forma arbitrária e de ser indemnizado no caso de desapropriação (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., p. 805). Ora, é justamente nesta ideia – a excecionalidade e não arbitrariedade de qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas – que assenta o princípio da suficiência da penhora, segundo o qual a mesma deve limitar-se ao estritamente necessário à satisfação do crédito do exequente e das custas devidas no processo. Tal princípio surge, assim, como decorrência da tutela constitucional da propriedade privada (cfr. o artigo 735.º, n.º 3, do CPC). É, pois, no confronto destas posições – por um lado, o direito do credor no quadro da afirmação da garantia patrimonial referida ao património do devedor e, por outro, a pretensão do devedor a que deter- minado bem existente no seu património não seja, atenta a específica afetação do mesmo, subtraído a essa garantia patrimonial – que deverá ser avaliada a ponderação efetuada pelo legislador, no sentido de saber se a mesma ultrapassa o limite imposto pelo princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). 14. Outro dos direitos cuja violação o recorrente invoca é o direito à habitação, reconhecido no artigo 65.º, n.º 1, da Constituição: «[t]odos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar». Tal como outros direitos sociais, o conteúdo deste direito desdobra-se numa dupla vertente: por um lado, uma vertente de natureza negativa, que se traduz no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de atos que prejudiquem tal direito; por outro lado, uma vertente de natureza positiva, corres- pondente ao direito a medidas e prestações estaduais visando a sua promoção e proteção. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr., Constituição…, cit., p. 834), tal direito: «Consiste, por um lado, no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma; neste sentido, o direito à habitação reveste a forma de “direito negativo”, ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos “direitos, liberdades e garantias” (cfr. artigo 17.º). Por outro lado, o direito à habitação consiste no direito a obtê-la por via de propriedade ou arrendamento, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objetivo. Neste sentido, o direito à habitação apresenta-se como verdadeiro e próprio “direito social”.» É esta vertente de direito social que implica um conjunto de obrigações positivas por parte do Estado, legitimando pretensões a determinadas prestações, que vem acentuada no artigo 65.º da CRP, particular- mente nos seus n. os 2 a 4. Significa isto que, sendo o direito à habitação configurado como um direito à proteção do Estado, as pretensões nele fundadas não têm como destinatários diretos os particulares, nas relações entre si, mas antes o Estado, as regiões autónomas e as autarquias, a quem são impostas um conjunto de incumbências no sentido criar as condições necessárias tendentes a assegurar tal direito. A garantia de tal direito envolve, deste modo, a adoção de medidas no sentido de possibilitar aos cidadãos o acesso a habitação própria (cfr. o n.º 3 do artigo 65.º da CRP). Contudo, o mesmo direito não se esgota nem se identifica com o direito a ser proprietário de um imóvel onde se tenha a habitação, sendo realizável também por outras vias, designadamente através do arrendamento. Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 649/99, salien- tando, por um lado, que «o direito à habitação não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o “direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão”» e, por outro, «que o “mínimo de garantia” desse direito (ou seja, o de obter habitação própria ou de obter

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