TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

614 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL habitação por arrendamento “em condições compatíveis com os rendimentos das famílias”) é algo que se impõe como obrigação, não aos particulares, mas sim ao Estado». Daí que, conforme referem ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr., Constituição…, cit., p. 836), incumba ao Estado «garantir os meios que facilitem o acesso à habitação própria (fornecimento de terrenos urbanizados, crédito acessível à generalidade das pessoas, direito de preferência na aquisição da casa arren- dada, etc.) e que fomentem a oferta de casas para arrendar, acompanhada de meios de controlo e limitação das rendas (subsídios públicos às famílias mais carenciadas, criação de um parque imobiliário público com rendas limitadas, etc.).». Assim, embora o direito à habitação possa justificar limitações à propriedade, tais limitações terão de obedecer sempre a um princípio de equidade e de proporcionalidade, sem que se perca de vista, no entanto, que o direito à habitação constitucionalmente garantido, na sua vertente positiva, tem como titulares passi- vos, em primeira linha, o Estado e os demais entes públicos territoriais, e não os particulares. Nessa medida, a consagração do direito fundamental à habitação «pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, a efetivar-se segundo a “reserva do possível”, não conferindo, por si mesmo, habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto, com preservação da intimidade pessoal e da privacidade familiar, na medida em que isso sempre dependerá da concretização da tarefa constitucionalmente atribuída ao Estado» (cfr. Acórdão n.º 829/96 e, neste mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos n. os 508/99 e 29/00). Por outro lado, e tendo em conta a aludida vertente defensiva, está vedado ao legislador ordinário adotar soluções que impliquem a privação arbitrária, sem fundamento razoável, do direito a ter uma habitação con- digna (cfr., a este respeito, os Acórdãos n. os 4/96 e 402/01). Mas o Tribunal Constitucional tem igualmente reconhecido que, nesta matéria, o legislador goza de um amplo espaço de conformação (cfr., a este respeito, entre outros, o Acórdão n.º 806/93), conformação essa que a propósito da tutela da habitação própria per- manente do executado, tem a vindo a ser exercida em diversas ocasiões. 15. Tecidas estas considerações sobre o conteúdo e alcance do direito à habitação, constitucionalmente garantido, importa realçar que o mesmo não abrange algumas das pretensões que por diversas vezes são for- muladas ao abrigo do mesmo. Desde logo, e conforme já referido, tal direito não se identifica nem se confunde com o direito a ser proprietário de um imóvel onde se tenha a habitação. Daí que não se possa configurar como constitucional- mente imposto, enquanto exigência decorrente da proteção do direito à habitação, uma solução no sentido de, nas relações entre particulares, consagrar um regime de impenhorabilidade da casa de morada de família. A esse respeito, no Acórdão n.º 649/99, em que se apreciou a conformidade constitucional – designa- damente em face do princípio da dignidade da pessoa humana, consignado no artigo 1.º da Constituição, e do direito de cada pessoa ter para si e para a sua família uma habitação de dimensão adequada em condi- ções de higiene e conforto, consagrado no n.º 1 do seu artigo 65.º – do «conjunto normativo que se extrai da conjugação dos preceitos constantes do n.º 1 do artigo 821.º e da alínea f ) do artigo 823.º [do CPC de 1961], enquanto entendido no sentido de a penhora poder recair sobre bens móveis que se encontrem na residência do executado e que não sejam imprescindíveis à sua economia doméstica e sobre o imóvel onde essa residência e um estabelecimento comercial se situem», escreveu-se o seguinte: «No tocante à penhora do imóvel onde também se situa a habitação do executado (bem como da sua família), é por demais evidente que desse ato processual não resulta que um e outra fiquem despojados da sua habitação ou arbitrariamente dela privados. Na verdade, no caso, a realização coativa da prestação devida pelo executado e exigida judicialmente, e de que uma fase de concretização, num dado momento, se obteve pela realização da penhora, incidiu sobre um direito (o de propriedade) detido pelo mesmo executado sobre um imóvel onde se sedia a sua residência. Neste contexto, torna-se claro que a habitação em causa, tomada qua tale (ou seja, desligada da titularidade do direito real de

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