TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

615 acórdão n.º 612/19 propriedade sobre o imóvel onde essa habitação se situa), não foi afetada ou, mais propriamente, pela penhora, o executado e sua família não foram privados da respetiva habitação, podendo, pois, manterem-se no imóvel. […] Tendo havido, por banda do ora recorrente, incumprimento das obrigações que livremente assumira, e nas- cendo por isso, para o credor, o direito de exigir judicialmente esse cumprimento, executando o património daquele (cfr. artigos 817.º e 601.º do Código Civil) – direito este que, como já se viu, não deixa de se basear no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição – não poderá, de todo, falar-se em que a penhora do imóvel onde se situa a habitação do executado constituiu, por si, uma arbitrária privação da falada habitação que, aliás, como igualmente se fez notar, nem sequer ocorreu por via da realização da mera penhora sobre o imóvel. A estas considerações há, ainda, que aditar, por um lado, que o direito à habitação não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que modo primordial ou a título principal, para o «direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão» e, por outro, que o “mínimo de garantia” desse direito (ou seja, o de obter habitação própria ou de obter habitação por arrendamento “em condições compatíveis com os rendimentos das famílias”) é algo que se impõe como obrigação, não aos particulares, mas sim ao Estado […].  O que se afiguraria como desproporcionado era que, no balanceamento do direito do credor a ver satisfeitas coercivamente – como no caso acontece – as obrigações assumidas pelo devedor (direito esse, repete-se, ancorado no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição), e de um eventual «direito» deste último a conservar a titularidade do direito de propriedade de um imóvel onde se situa a sua habitação, o primeiro fosse postergado em nome do segundo, (sendo mesmo certo, aliás, que, ainda que não ocorra uma tal postergação, o «direito a continuar a habi- tar» o imóvel não é retirado imediatamente ao mencionado devedor com a penhora). Daí que se conclua que o conjunto normativo em apreciação, enquanto entendido como permitindo a penhora do imóvel onde o devedor e sua família têm a sua habitação, se não apresente como conflituante com o disposto no n.º 1 do artigo 65.º do Diploma Básico.». De resto, e sem prejuízo do reforço da tutela da habitação própria permanente do executado – expresso não apenas na já citada Lei n.º 60/2012, de 9 de novembro, mas também na Lei n.º 13/2016, de 23 de maio (proteção da casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal), e, por último, na Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro (que alterou os n. os 3 e 4 do artigo 751.º do CPC) – o legislador, não obs- tante diversas iniciativas legislativas tendentes a restringir ou, mesmo, a impedir a possibilidade de penhora daqueles imóveis, tem optado por lidar com o problema do sobre-endividamento das famílias e da insufi- ciência de rendimentos disponíveis para a subsistência do devedor por outras vias que não a da isenção de penhora (por exemplo, a exoneração do passivo restante no quadro da insolvência ou medidas específicas no âmbito do crédito à habitação – vide a discussão desta problemática nos trabalhos preparatórios da referida Lei n.º 117/2019 – com origem na Proposta de Lei n.º 202/XIII – e, em especial, a nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República com referência ao Projeto de Lei n.º 1234/XIII, acessíveis a partir da ligação https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43773 ). 16. No caso dos autos, sem sustentar expressamente a impenhorabilidade da casa da morada de família, o recorrente invoca a violação do princípio da proporcionalidade, considerando excessiva a restrição imposta ao seu direito à habitação, na medida em que, em seu entender, o regime do artigo 751.º, n. os 1 a 3, do CPC não estabelece, quanto à penhora da habitação própria permanente do executado, qualquer critério para além do prazo de pagamento da dívida, não considerando, designadamente, o facto de o imóvel em causa não ter sido dado como garantia para pagamento do crédito em execução, ou o facto de tal bem corresponder à casa de morada de família do executado. Na sua perspetiva, assim entendidas, tais normas conferem maior proteção, sem justificação, ao credor da obrigação (que não é hipotecário) em relação ao devedor, sendo certo que, no caso deste último, existem interesses de particular relevância social a considerar, como seja o direito à habitação.

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