TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

616 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17. Preliminarmente, importa referir que, contrariamente ao mencionado pelo recorrente, a circunstân- cia de o imóvel penhorado não ter sido dado em garantia da dívida não assume particular relevância. Na verdade, a constituição de uma garantia real – como, por exemplo, uma hipoteca sobre o imóvel em questão –, confere ao credor «o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo» (cfr. artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil), visando, em primeira linha, proteger os interesses do credor que, dessa forma, vê o seu crédito especialmente garantido pelo valor daquele bem. Mas a existência de tal garantia especial não impede o credor de continuar a beneficiar da garantia geral das obrigações, resultante do artigo 601.º do Código Civil. Nessa eventualidade, embora a penhora se inicie pelos bens sobre que incida a garantia real, a mesma poderá recair sobre os demais bens do devedor, uma vez reconhecida a insuficiência dos primeiros para conseguir o fim da execução (cfr. artigo 752.º, n.º 1, do CPC). Por isso, a circunstância de sobre o imóvel que seja habitação própria permanente do executado não incidir qualquer garantia real apenas tem como consequência que a penhora não se inicie pelo mesmo; mas tal circunstância não impede que o imóvel em causa possa vir ser penhorado, nos termos gerais, uma vez verificados os respetivos pressupostos, designadamente os previstos na norma ora questionada. Assim, a questão de constitucionalidade a apreciar reconduz-se apenas a saber se tais pressupostos, que resultam, nos termos expostos, de uma ponderação efetuada pelo legislador, violam algum parâmetro cons- titucional, designadamente os invocados pelo recorrente. 18. Cumpre, desde logo, realçar que a norma sindicada não permite a penhora imediata, em quaisquer circunstâncias, de bens imóveis, e concretamente, do imóvel correspondente à casa de morada de família do executado. A lei estabelece critérios a respeito da ordem de realização da penhora, no sentido de dar preferência àqueles bens que permitam a satisfação, pela via mais simples e célere, da quantia exequenda, sem que se prejudiquem, para além do estritamente necessário, os interesses patrimoniais do executado. Só em caso de falta ou de insuficiência destes bens é que, nos termos legalmente previstos, se permite a penhora de bens imóveis – mesmo que o seu valor se estime como excessivo face ao montante do crédito exequendo –, quando seja de presumir que a penhora de outros bens não permitirá a satisfação integral do credor no prazo de seis meses [cfr. o artigo 751.º, n.º 3, alínea c) ]. Se o imóvel for habitação própria permanente do executado, este prazo é dilatado para o dobro ou para o triplo, consoante o valor da dívida não exceda ou exceda metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância [cfr. as alíneas a) e b) do mesmo artigo 751.º, n.º 3]. Assim, quanto maior for o valor da dívida, mais prazo é concedido para se penhorarem bens alternativos à habitação própria permanente do executado que permitam a satisfação integral do credor. Isto significa que o legislador ponderou a especificidade da penhora de um imóvel que corresponda à casa de morada de família do executado. Por outro lado, e em qualquer caso, este regime não constitui uma afetação arbitrária do direito de pro- priedade do devedor, tendo em conta, conforme referido, o correspondente direito do credor a ver satisfeito o seu crédito. É certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado, nalguns casos, que nesta ponde- ração o legislador deverá sacrificar o direito do credor, na medida do necessário, de forma a que a realização desse direito não ponha em causa a sobrevivência ou subsistência do devedor, tendo em vista a tutela da dignidade da pessoa humana (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 177/02, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que permitia a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional). Esta não é, no entanto, a dimensão da questão colocada no presente processo. Com efeito, sendo certo que é merecedora de ponderação a circunstância de o imóvel penhorado ser a habitação do executado, a verdade é que, nos termos expostos, tal facto não foi desconsiderado pelo legislador.

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