TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

617 acórdão n.º 612/19 Desde logo, porque a simples penhora do imóvel não afeta, em termos diretos e imediatos, a possibili- dade de o executado, pelo menos até à venda executiva, continuar a residir no imóvel, na medida em que, neste caso, a lei prevê que este seja nomeado depositário do mesmo [cfr. o artigo 756.º, n.º 1, alínea a) do CPC e o ponto 11., supra ]. Por outro lado, conforme se referiu, uma vez efetuada a venda executiva, poderá ter lugar a suspensão da entrega ao adquirente ou em caso de se suscitarem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução deverá comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais com- petentes [cfr. artigos 828.º, 861.º, n.º 6, e 863.º, n. os  3 a 5, do CPC], prevendo-se ainda, a possibilidade de suspensão da venda (cfr. o ponto 11., supra). Ora, não obstante o reconhecimento, por este Tribunal, da função social da propriedade, sobretudo em sede de arrendamento, que poderá justificar a imposição de restrições aos direitos do proprietário privado (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  311/93, 263/00, 309/01 e 543/01), daí não decorre que seja exigível impor aos particulares que se substituam ao Estado nas obrigações que sobre este impendem em matéria de proteção do direito à habitação (cfr. os Acórdãos n. os  101/92, 130/92, 633/95 e 570/01). Por isso, havendo a possibilidade de o executado, em consequência de uma execução, ser privado da sua casa de habitação, em última análise, será ao Estado, caso tal se mostre necessário, que caberá assegurar a proteção do direito cons- titucional à habitação (cfr., a este respeito, em matéria de arrendamento, os Acórdãos n. os  151/92 e 465/01), podendo a sua intervenção, no âmbito do processo de execução ser desencadeada através dos mecanismos acima referidos. Isto sem prejuízo de se reconhecer que, principalmente a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2012, a habitação própria permanente do executado adquiriu uma relevância acrescida face aos demais bens imóveis penhoráveis, porquanto a penhora daquela passou a ter de observar condições mais exigentes no tocante ao prazo em que a satisfação integral do credor presumivelmente não ocorrerá com recurso à penhora de outros bens. Assim, na relação existente, neste caso, entre a garantia constitucional do direito constitucional da pro- priedade privada, em que assenta o direito do credor à satisfação do seu crédito, e o direito fundamental à habitação, há que entender que, gozando o legislador ordinário de um largo espaço de conformação no que respeita à compatibilização destes direitos, não se afigura que mereça censura, à luz da tutela constitucional do direito à habitação, a solução normativa objeto do presente recurso. Recorde-se ainda que a norma em causa se integra num sistema, razão pela qual o seu confronto com o direito à habitação do executado não pode abstrair do equilíbrio do processo executivo globalmente considerado. Por outro lado, sendo certo que, conforme tem entendido o Tribunal Constitucional, o princípio da proporcionalidade representa um limite à liberdade de conformação do legislador, não se afigura também que a norma objeto do presente recurso, pelas razões já referidas, comprima de forma desproporcionada o direito de propriedade do executado, em violação do artigo 62.º em articulação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição. Na verdade, reconhecendo embora que neste tipo de situações a penhora pode não se limitar ao montante em dívida, o legislador faz depender a realização da mesma da verificação de deter- minados requisitos (que, dentro do espaço de conformação que lhe assiste, se tornaram mais exigentes) que acautelam suficientemente o direito de propriedade do executado (cfr. o artigo 751.º, n. os  1 e 3, do CPC). Acresce que a penhora, enquanto ato de apreensão de bens, tendo em vista a futura venda executiva, não viola o direito de propriedade do executado pela circunstância de o valor penhorado ser bastante superior ao valor da quantia exequenda. Com efeito, uma vez realizada a venda executiva e efetuada a liquidação da responsabilidade do executado, ser-lhe-á entregue, como lhe é devido, o remanescente do valor que não seja necessário ao pagamento da quantia exequenda e legais acréscimos [cfr. o artigo 847.º e 849.º, n.º 1, alínea b) , do CPC]. Conclui-se, por isso, que a interpretação normativa ora em apreciação não viola qualquer um dos parâ- metros constitucionais referidos pelo recorrente.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=