TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

621 acórdão n.º 612/19 da alçada do tribunal de 1.ª instância (ou seja, à data de hoje, cerca de 2 500 Euros) e os restantes bens não permitam a satisfação integral da dívida no prazo de 18 meses, constitui um incentivo ao crédito indiscri- minado e mal avaliado. A Autoridade Bancária Europeia identifica, aliás, as más práticas de avaliação de risco e de concessão de crédito como um dos principais problemas nesta área ( EBA Consumer Trends Report 2018/2019, p. 53). Ora, este fenómeno tem consequências económicas e sociais extraordinariamente relevantes, quer para a sociedade em geral, dados os efeitos dramáticos do endividamento excessivo das famílias, quer, em última análise, para o Estado e o seu orçamento. Além da necessidade de ponderação desta dimensão do interesse público, cabe integrar, na análise da questão, o standard de proteção do consumidor face às entidades bancárias que decorre do direito da União Europeia e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Ora, este tribunal afirmou já, repetidamente, a propósito de processos de execução (com e sem hipoteca) decorrentes de contratos de mútuo celebrados entre profissionais e consumidores, no âmbito de aplicação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, (vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos Aziz , processo C-415/11, de 14 de março de 2013; Sánchez Morcillo , processo C-169/14, de 17 de julho de 2014; Finanmadrid , processo C-49/14, de 18 de fevereiro de 2016 e Banco … , processo C-421/14, de 26 de janeiro de 2017) o seguinte: i) o juiz nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, sanar o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional; ii) o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração; iii) quanto à apreciação por um órgão jurisdicional nacional do eventual caráter abusivo da cláusula relativa ao vencimento antecipado devido a incumprimentos pelo devedor das suas obrigações durante um período limitado, incumbe a esse órgão juris- dicional verificar se a faculdade de o profissional declarar exigível a totalidade do empréstimo depende do incumprimento pelo consumidor de uma obrigação com caráter essencial no âmbito da relação contratual em causa, se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento é suficientemente grave atendendo à duração e ao montante do empréstimo, se a referida faculdade derroga as regras de direito comum aplicáveis na matéria, na falta de disposições contratuais específicas, e se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitam ao consumidor sujeito à aplicação dessa cláusula sanar os efeitos da referida exigibilidade do empréstimo. Daqui resulta, indubitavelmente, uma tutela reforçada do consumidor. Todavia, e apesar de a cláusula 13 do contrato de concessão de crédito pessoal que deu origem à penhora da habitação, no caso em apreço, prever, precisamente, a possibilidade de resolução do contrato pelo Banco, com a consequente exigência de pagamento de todo o montante em dívida, em caso de incumprimento das obrigações dele emergentes, nem o tribunal a quo examinou oficiosamente o caráter abusivo de tal cláusula, nem a norma que analisa- mos sujeita a possibilidade de penhora (mesmo tratando-se da habitação permanente de oito pessoas) a esse exame prévio, provocando assim, no meu entender, um défice de tutela do direito fundamental à proteção do consumidor. Efetivamente, tendo em mente as marcadas diferenças e desequilíbrios entre credores e con- sumidores, de que já se deu nota, a previsão legal de obrigatoriedade do exame do eventual caráter abusivo das cláusulas contratuais, antes da penhora da habitação permanente, afigura-se, neste tipo de mútuos, como instrumento essencial de proteção jusfundamental. Em segundo lugar, cabe considerar o direito à habitação enquanto direito fundamental com densidade normativa. Note-se, antes de mais, que, mesmo sendo a CRP tão pouco tranquila textualmente, todas as alterações introduzidas nas normas constitucionais sobre este direito, desde 1976, visaram sempre expandir o seu âmbito de proteção, e não restringi-lo. Mais ainda, a proteção da habitação permanente encontra também expressão no plano da legalidade reforçada, estando prevista no artigo 10.º da recente Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019, de 3, de setembro), que estatui o direito de todos “à proteção da sua habitação permanente” (n.º 2 do artigo 10.º) e a especial proteção legal da casa de morada de família (n.º 4 do artigo 10.º).

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