TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

639 acórdão n.º 623/19 pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença. Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consu- mida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários. Já defendida na doutrina [cfr. P. Pitta e Cunha/J. Xavier de Basto/A. Lobo Xavier, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, Fisco , ano 5 (1993), 3 s., 6-7], esta tese ignora a especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis.» Para a decisão do presente recurso, cumpre salientar, além da já assinalada superação da noção restritiva de taxa, o reconhecimento expresso no Acórdão n.º 177/10 da «intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento de deveres específicos» ordenada à garantia de «integridade dos valores ambientais, urbanísticos e outros», e, sobre- tudo, a importância dada à relação jurídica criada pela licença: “uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particu- lar obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma atividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público”. Em vez do que designou de «modelo de limites», o Tribunal aplicou um «modelo relacional» que coloca no centro a relação jurídica – isto é, os direitos e deveres recíprocos de quem licencia e de quem é licenciado – que se prolonga no tempo. Para o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, este último aspeto, considerado de per si, não relevaria no caso ora sub iudicio , porquanto “o obrigado ao pagamento da disputada taxa não beneficia da remoção de qual- quer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, somente podendo a imposição da mesma fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Casuisticamente, o Ac. 177/2010 versou situação referente a taxa por emissão, camarária, de licença para afixação ou inscrição de publicidade em propriedade privada, quando é certo que, para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto de entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra; que, aliás, nem justifica a liquidação da mesma com esse fundamento específico. 16. Tal conclusão afigura-se demasiado apressada. Com efeito – e abstraindo agora dos aspetos conexionados com a «fiscalização do cumprimento de deveres específicos», considerados autonomamente – a verdade é que a licença de exploração de postos de combustíveis, enquanto ato administrativo de execução continuada (ou de eficácia duradoura), também não esgota os seus efeitos num só momento, através de um ato ou facto isolado. Bem pelo contrário, constitui uma relação jurídica duradoura no quadro da qual o licenciado adquire o direito de exercer uma atividade que, mesmo cumprindo os deveres específicos impostos pela legislação e regulamentação técnica aplicável, interfere permanentemente com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo, o ordenamento do território e a gestão do tráfego. Ou seja, também no caso em apreço se verifica que, no quadro das licenças de exploração dos postos de abastecimento da recorrida inicial, ora recorrente, o Município de Sintra, apesar de não ter sido a entidade emitente das mesmas, fica duradouramente obrigado a suportar atividades que interferem permanente- mente com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger. O mesmo é dizer, que, embora assente na licença de exploração, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento do particular – desde logo, a proibição de poluir – é permanente e não pode deixar de ser imputada ao próprio Município, uma vez que compete hoje à Câmara Municipal de Sintra licenciar a exploração de postos de abastecimento de combustíveis como os da ora recorrente [cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea b) , do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro]. Mas há ainda outros aspetos que importa considerar. Em primeiro lugar, a circunstância de, mesmo em relação aos postos cuja exploração foi licenciada pela Adminis- tração central ao abrigo de legislação anterior, serem afetados os bens «segurança» e «qualidade ambiental» do Município

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