TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

654 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL união de facto – v. as decisões cits. no Acórdão n.º 275/02 […], e, posteriormente, em matéria de requisitos para atribuição de pensão de sobrevivência, os Acórdãos n. os 195/03, 88/04, 233/05 e 159/05, este último confirmado em recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 614/05 […]. E o Tribunal Constitucional teve já mesmo ocasião de apreciar uma dimensão normativa em que estava em causa a distinção entre o cônjuge e o convivente em união de facto para o efeito previsto no artigo 496.º, n.º 2, isto é, para o reconhecimento de uma ‘indemnização’ de danos não patrimoniais por morte da vítima. Não esteve, porém, nunca em causa a mesma dimensão normativa que é agora impugnada no presente recurso. Com efeito, no Acórdão n.º 275/02 […] o que o Tribunal Constitucional decidiu foi julgar inconstitucional a ‘norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de ‘indemnização por danos não patrimoniais’ pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges’. O objeto do presente recurso é diverso: não é questionada, como no caso do Acórdão n .º 275/02, a consequência, no plano da compensação por danos não patrimoniais, da prática de um crime (de um homicídio), e de um crime doloso, mas antes a consequência de um acidente de viação que se deveu a culpa (negligência) exclusiva do lesante (v. a sentença de 1.ª instância, de 3 de maio de 2002, fls. 502 a 504 dos autos), cuja responsabilidade fora transferida para a companhia de seguros demandada. É, no entanto, óbvio que tal diferença de objeto dos recursos de constitucionalidade (o decidido pelo Acórdão n.º 275/2002 e o presente) não é logo bastante para conduzir a qualquer solução da questão de constitucionali- dade. Não só há que apurar se a norma impugnada no presente recurso é, ela própria, conforme com as normas e princípios constitucionais, como se impõe averiguar se, sob esse ponto de vista, a questão ora trazida ao Tribunal Constitucional é, ou não, substancialmente idêntica à decidida no Acórdão n.º 275/02 – designadamente, se os fundamentos desta decisão são transponíveis para os presentes autos. Apenas em caso de resposta afirmativa a esta pergunta se pode remeter, para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade, para esse Acórdão n.º 275/02. 5. A análise dos fundamentos do citado Acórdão n.º 275/02, para os confrontar com o presente caso, impõe-se, aliás, tanto mais quanto este aresto é considerado na decisão recorrida (que se encontra publicada já na Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XI, 2003, tomo III, p. 133, bem como em Maiajurí- dica – Revista de Direito, ano II, n.º 2, julho-dezembro de 2004, pp. 127 e ss., com uma anot. de Manuel J. Aguiar Pereira), bem como já pela decisão do Tribunal da Relação de Coimbra então recorrida, e é invocado pelo recor- rente no sentido da solução de inconstitucionalidade que defende. Esse Acórdão do Tribunal Constitucional foi, aliás, objeto de discussão jurisprudencial (v., além das declarações de voto a ele apostas e das decisões constantes dos presentes autos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2005 e 11 de julho de 2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt ) e doutrinal (v., em sentido crítico, Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de direito da família, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Edição, 2003, pp. 134-136, e Nuno de Salter Cid, A comunhão de vida à margem do casamento: entre o facto e o direito, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 526-544, bem como, substancialmente, Américo Marcelino, Acidentes de viação e responsabilidade civil , Lisboa, Petrony, 2005, pp. 446-454; em sentido favorável, a cit. anot. de M. J. Aguiar Pereira; e, questionando a extensão da solução a outros casos, António Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade civil, II: indemnização dos danos reflexos , Coim- bra, Almedina, 2005, p. 27). E esta discussão incidiu, em parte, justamente, sobre as consequências alegadamente justificadas (ou até impostas) pela fundamentação do juízo de inconstitucionalidade então alcançado, no Acórdão n.º 275/2002 – assim, além de M. J. Aguiar Pereira e A. A. Geraldes, locs. cits., F. Pereira Coelho/G. de Oliveira, ob. cit. , pp. 135 e s., e N. Salter Cid, ob. cit. , pp. 534 (e n. 65), 544. Não é, porém, uma ‘reanálise’ ou reapreciação dos fundamentos do Acórdão n .º 275/2002 que pode estar em causa no presente recurso, em que é, como se disse, impugnada diversa dimensão normativa do artigo 496 .º , n .º 2, apenas importando recordar essa fundamentação na medida em que a referida decisão foi invocada como precedente. Recorde-se, pois, a fundamentação expendida para se concluir pelo julgamento de inconstitucionalidade, ‘por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade’, da ‘norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui

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