TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

655 acórdão n.º 624/19 a atribuição de um direito de ‘indemnização por danos não patrimoniais’ pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges’. Depois de se delimitar o objeto do recurso e de, para enquadrar a questão de constitucionalidade, se referir a evo- lução do regime jurídico da união de facto (com a Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, e a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio) e a jurisprudência do Tribunal Constitucional então existente sobre normas que previam uma diferenciação de tratamento entre pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, disse-se: «(…) 10. Numa certa perspetiva, segundo a qual a distinção entre pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição de uma compensação por danos não patrimoniais sofridos por morte da vítima, se afigura destituída de fundamento razoável, constitucionalmente relevante, poder-se-ia chegar, no presente recurso, logo a uma conclusão de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. A aplicação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado tem sido reconduzida à censura de dis- tinções sem fundamento racional, justo ou objetivo (veja-se, no direito privado, e a propósito do direito da família, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 3.ª edição, Coimbra, 1985, pp. 78-80 e 148, nota 2). Como se disse no Acórdão n.º 14/00 ( DR , II série, de 19 de outubro de 2000): “A propósito do princípio da igualdade, teve já este Tribunal, por inúmeras vezes, oportunidade de sobre o mesmo discretear, citando‑se, a título de exemplo o Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República , 2.ª Série, de 12 de dezembro de 1996), onde, uma vez mais, se realçou que o princípio da igualdade ‘obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento mate- rial bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não meramente formal’. E acrescentou-se nesse aresto que ‘[p]ara que haja violação do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, pre- liminarmente, a existência de uma concreta e efetiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação’. Nas palavras de Maria da Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, p. 44), ‘[o] critério valorativo a que o princípio da igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em con- sequência, um critério de valores subjetivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objetivamente. É certo que tais valores vivem no âmbito das alterações históricas e civilizacionais, só sendo materialmente determináveis em presença de uma sociedade em concreto, mas nem por isso deixa de ser um quadro de valores objetivo’.” E pode, ainda, recordar-se o que, recentemente, se escreveu a propósito no Acórdão n.º 187/01 ( DR , II Série, de 26 de junho de 2001): «(...) É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções – proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos e relevantes. É esta, aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cfr., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n. os 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e 683/99, publicados, nos ATC , respetivamente, vol. 11.º, pp. 233 e ss., vol. 23.º, pp. 369 e ss., vol. 24.º, pp. 549 e ss., vol. 36.º, pp. 793 e ss., e no Diário da República , II Série, de 25 de março de 1999 e de 3 de fevereiro de 2000). Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.

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