TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

657 acórdão n.º 624/19 este caráter as diferenciações de tratamentos fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental –, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ( vernünftiger Grund ) ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio ( Willkürverbot )’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão n.º 1186/96, publicado no Diário da República , 2.ª Série, de 12 de fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o ‘princípio da igualdade (...) impõe se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento racional’ ( verbi gratia , Acórdão n.º 1188/96, ob. cit. , 2.ª Série, de 13 de fevereiro de 1997).’» Ora, admitir-se-á que, na perspetiva referida, se entenda que a diferenciação entre o cônjuge e a pessoa que convivia com a vítima em união de facto estável e duradoura, para o efeito de excluir a possibilidade de compensar os danos não patrimoniais sofridos por esta última com a morte da vítima, é destituída de fundamento razoável. Na verdade, como destituída de fundamento razoável não há que considerar apenas a diferenciação de tratamento que possa considerar-se verdadeiramente arbitrária, mas também aquela que se baseie num critério que não possa ser relevante, considerando o efeito jurídico visado. E, na referida perspetiva, aceitar-se-á que a existência de um vínculo matrimonial, por contraposição à con- vivência em união estável e duradoura, não constitui só por si um fundamento razoável para excluir a compen- sação do sofrimento e da dor sofridos com a morte pela(o) companheira(o) da vítima de um homicídio doloso. Designadamente, o fundamento apontado em geral para a previsão de um conjunto de pessoas cujos danos não patrimoniais, resultantes da morte da vítima, são suscetíveis de ser levados em conta, consistente em evitar a multiplicação das pretensões indemnizatórias em consequência desta lesão (razão pela qual as “excelências da equi- dade” teriam de ser “sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito” – Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4.ª edição, com a colab. de Henrique Mesquita, pág. 501), não é aplicável à dimensão normativa em causa, em que está em causa a compensação da dor e do sofrimento da pessoa que convivia em união estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, da qual existiam até dois filhos menores, com a vítima de um homicídio doloso. É certo que a morte de uma pessoa é um evento que é suscetível de causar danos não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas. E pode também concordar-se com a conveniência em evitar que o lesante por mera culpa se veja assoberbado por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número ilimitado de pessoas. Por estas razões, compreende-se que no n .º 2 do artigo 496 .º o legislador se tenha preocupado em enumerar o círculo de pessoas cujos danos não patrimoniais, causados pela morte da vítima, são atendíveis, e que se tenha mesmo preocupado em dividir tais pessoas em TRÊS grupos (primeiro, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; ‘na falta destes’, os pais ou outros ascendentes; e, ‘por último’, os irmãos ou sobrinhos que os representem ). Isto, aliás, diversamente do que acontecia no anteprojeto do articulado relativo ao direito das obrigações, para o Código Civil de 1966, o qual previa, no seu artigo 759.º, n.º 3, que no caso de morte de uma pessoa, ‘quando as circunstâncias o impuserem, pode reconhecer-se direito de satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família dela’ – Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com exceção dos contratos em especial) – Anteprojeto, Lisboa, 1960, artigo 759.º, n.º 3, pág. 624. Na dimensão normativa em causa, porém, não só o beneficiário da indemnização se encontra perfeitamente delimitado, e é apenas um (pretendendo ser colocado no mesmo plano do cônjuge, e, portanto, no primeiro grupo dos titulares de indemnização), como – conforme bem nota o Ministério Público – não merece certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio. Por outro lado, sob a perspetiva do fundamento para o reconhecimento da compensação – que reside, obviamente, na verificação da dor e do sofrimento por causa do falecimento da vítima, e na justeza de uma

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