TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL compensação por tais danos –, não se vê como possa relevar a existência de um vínculo matrimonial, em lugar apenas de uma convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em condições análogas às dos cônjuges, para excluir completamente a atendibilidade dos padecimentos sofridos por esta. Estes não são, na verdade, nem qualitativa nem quantitativamente menos merecedores da tutela do direito por não existir um vínculo matrimonial. Não se divisando, pois, fundamento razoável na exclusão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos por quem vivia em união de facto com a vítima, chegar-se-ia, por esta via, a uma conclusão de incons- titucionalidade, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 11. Entende-se, porém, que, mesmo a não se perfilhar tal entendimento do princípio da igualdade, não se é por isso necessariamente conduzido a uma solução de compatibilidade com a Constituição da solução normativa em apreciação no presente recurso de constitucionalidade. Segundo uma outra perspetiva, não se pode excluir a liberdade do legislador de prever um regime jurídico específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objetivos políticos de incentivo ao matri- mónio. Considerando desde logo a existência de especiais deveres entre os cônjuges, dir-se-ia, como se afirmou no citado Acórdão n.º 14/00, que ‘(...) de harmonia com o nosso ordenamento (ainda suportado constitucio- nalmente), o regime das pessoas unidas pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que requeiram trata- mento igual’. E, portanto, não se divisaria na norma em apreço violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental. Ainda quem adota tal perspetiva, há de, porém, necessariamente interrogar-se sobre a existência de uma justificação atendível para a solução de excluir de plano e em abstrato todos e quaisquer danos não patrimoniais sofridos pessoalmente por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições análogas às dos cônjuges. Na verdade, como este Tribunal já afirmou, o legislador constitucional dispensa no artigo 36 .º , n .º 1, proteção à família, enquanto ‘elemento fundamental da sociedade’, distinguindo-a, no n .º 1 e no n .º 2 desse artigo, do casamento. E, portanto, dispensa proteção a uma realidade social que se não funda necessariamente no matrimónio – uma família não fundada no casamento. Tal ‘distinção constitucional entre família, por um lado, e matrimónio por outro’, que ‘parece espelhar um entendimento e reconhecimento da família como uma realidade mais ampla do que aquela que resulta do casamento, que pode ser denominada de família conjugal’, foi referida por este Tribunal, recente- mente, no Acórdão n.º 690/98 (ATC, vol. 41.º, págs. 579 e segs.); na doutrina civilística, veja-se C. Mota Pinto, ob. cit. , pág. 149. No artigo 36.º, n.º 1, a Constituição da República consagra, na verdade, o ‘direito de constituir família e de contrair casamento’, distinguindo as duas realidades – e regista-se, a propósito, que também a recente Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a qual, apesar de não ter eficácia jurídica obrigatória, pode aqui ser convocada por exprimir princípios comuns aos ordenamentos europeus) consagra diferenciadamente, no seu artigo 9.º, o ‘direito de contrair casamento e o direito de constituir família’, podendo ler-se, nas anotações explicativas pela mesa da Convenção que elaborou a Carta, que a redação deste artigo, fundada no artigo 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “foi modernizada de modo a abranger os casos em que as legislações nacionais reconhecem outras formas de constituir família além do casamento”. A Constituição da República Portuguesa, depois de reconhecer o direito a constituir família, que se não funda necessariamente no casamento, reconhece no artigo 67.º, n.º 1, à “família, como elemento fundamental da sociedade”, o “direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.” Ainda que se entenda que daquela distinção e desta norma não resulta uma imposição para o legislador de reconhecer e proteger, em geral, a união de facto estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, e a família nela fundada, em termos idênticos aos da família baseada no casamento, há de certamente extrair- -se daí, pelo menos, o dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no

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