TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

659 acórdão n.º 624/19 casamento – isto, pelo menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que diretamente contendam com a proteção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento. 12. Ora, é justamente tal justificação que não se divisa para a dimensão normativa em análise, permitindo tal falta distinguir também a situação presente de outras, já apreciadas por este Tribunal. Na verdade, já se disse que não procede, em relação à compensação dos sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições análogas às dos cônjuges, nem a justifica- ção consistente na necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a necessidade de uma solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver confrontado com um número não definido de pretensões indemnizatórias não merece proteção e que o titular do direito à compensação se encontra perfei- tamente determinado. E já se disse também que, para o fundamento do reconhecimento da compensação por danos não patrimoniais – a verificação da dor e do sofrimento por causa do falecimento da vítima, e a justeza de uma compensação por tais danos –, a existência de um vínculo matrimonial, em lugar apenas de uma con- vivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em condições análogas às dos cônjuges, é irrelevante. Acresce, com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade legislativa, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se afigura como inadequado para a prossecução de eventuais objetivos políticos de proteção ou incentivo ao casamento. Basta, para o concluir, considerar que não está em causa a con- cessão de um benefício em relação ao qual se verifique a previsibilidade necessária para se poder descortinar qual- quer efeito de incentivo (ao contrário do que, em certa perspetiva, poderia ser o caso de outras medidas, como, por exemplo, a concessão de uma preferência para as pessoas casadas, por exemplo, na colocação como funcionário). Na norma em questão trata-se, antes, de compensar um dano – e um dano normalmente de grande gravidade, consistente em sofrimentos e dores, cuja compensação “merece a tutela do direito”, sendo “indemnizável” nos termos do regime geral do artigo 496 .º , n .º 1, do Código Civil. E trata-se de um dano que resulta de um evento que é evi- dentemente imprevisível (um homicídio doloso). Pelo que, mesmo dispensando outras considerações, não se afiguraria adequada e aceitável, à luz do reco- nhecimento constitucional de proteção também da família não fundada no casamento – e do próprio valor da dignidade humana –, a utilização do regime da “indemnização” pela dor e pelo sofrimento resultantes da morte para as pessoas que conviviam com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, como instrumento para a prossecução de eventuais objetivos políticos de incentivo à família fundada no casamento. Nesta linha, cumpre anotar, por último, que, se já se não encontra justificação atendível para a desproteção da família não fundada no casamento, que resultaria da proibição de consideração dos danos não patrimoniais sofridos pela pessoa que convivia em união estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, com a vítima de um homicídio doloso, menos ainda será divisável tal justificação no atual normativo, considerando o regime de proteção da união de facto atualmente em vigor, previsto na Lei n.º 7/2001. Na verdade, não se encon- tra justificação para se reconhecer a tais pessoas variados direitos (cfr. o artigo 3.º do citado diploma), que podem ter como destinatários também particulares, mas limitar aos cônjuges a proteção que, em caso de morte, resulta da compensabilidade dos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos – que se refere a danos de grande gravidade e pessoais, que por natureza revestem sempre uma dimensão individual e de incomensurabilidade. Também nesta perspetiva – próxima da que, nas suas contra-alegações, adota o Ex.mo representante do Minis- tério Público neste Tribunal – se chegará, pois, a uma solução de inconstitucionalidade, por violação do artigo 36 .º , n .º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade, da norma do n .º 2 do artigo 496 .º do Código Civil por, em caso de morte da vítima de um crime doloso, excluir o direito de “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.» Como resulta da fundamentação transcrita, no Acórdão n.º 275/02 não se considerou inconstitucional a norma do artigo 496 .º , n .º 2, na interpretação então questionada, por violação do princípio da igualdade, mas antes, e apenas,

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