TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

660 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “por violação do artigo 36 .º , n .º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade” (fundamen- tos distintos, mas não incompatíveis, para o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou). Esta distinção de fundamentos resulta claramente, além da fórmula decisória adotada, do confronto com este segundo parâmetro (n. os  11 e seg. do aresto), exposto “mesmo a não se perfilhar tal entendimento do princípio da igualdade”, segundo “uma outra perspetiva”, que não exclui “a liberdade do legislador de prever um regime jurídico específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objetivos políticos de incentivo ao matrimónio”, considerando “desde logo a existência de especiais deveres entre os cônjuges”, para se dizer “como se afirmou no citado Acórdão n.º 14/00, que ‘(...) de harmonia com o nosso ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que requeiram tratamento igual’”. A ratio decidendi do juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n .º 275/02 acha-se, pois, ainda para “quem adota tal perspetiva” segundo a qual “não se divisaria na norma em apreço violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13 .º da Lei Fundamental”, apenas na “violação do artigo 36 .º , n .º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”. 6. Afigura-se, porém, essencial recordar a forma como se concretizou o confronto com o princípio da proporcionali- dade. Com efeito, depois de se observar que o legislador constitucional não quis reduzir a noção de família à união conjugal baseada no casamento, e que impõe a proteção da “família, como elemento fundamental da sociedade”, com “um dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no casamento”, a apreciação da conformidade com o princípio da proporcionalidade não se centrou em qualquer “desproporção” das consequências do regime jurídico (que, efetivamente, podem ser tão ou mais gravosas, por exemplo, no não reco- nhecimento da qualidade de sucessível na sucessão legitimária). O iter seguido para o confronto com o princípio da proporcionalidade, passou, antes, pela averiguação daquela “justificação razoável” especificamente para a solução normativa em questão, atentando, precisamente, na relação entre a justificação que para ela é adiantada e os dados do caso em que a dimensão normativa impugnada fora aplicada (e recorde-se que se tratou de decisão proferida em fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade). No contexto dessa averiguação da conformidade com o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral atinente à relação entre meios e fins da atuação do poder público (conjugada com a proteção constitucional também da “família não fundada no casamento”), logo se pôde verificar a total desadequação da dimensão norma- tiva então em apreciação às justificações ou finalidades para ela adiantadas. Salientou-se, assim, que, para a “com- pensação dos sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições análogas às dos cônjuges”, não podia proceder, nem a justificação da solução do artigo 496.º, n.º 2, “consistente na necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a necessidade de uma solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver confrontado com um número não definido de pretensões indemnizatórias não merece proteção e que o titular do direito à compensação se encontra perfeitamente determinado’ (itálicos aditados – e cfr. também já antes, a propósito do princípio da igualdade, no n.º 10 da fundamentação do Acórdão n.º 275/02). E ainda se verificou, ‘com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade legislativa’, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se afigura como ‘inadequado para a prossecução de eventuais objetivos políticos de proteção ou incentivo ao casamento’, não só por estar em causa compensar um dano, normalmente de grande gravidade, como por este resultar de ‘um evento que é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso)”. Só estes passos permitiram concluir pela existência de “violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição con- jugado com o princípio da proporcionalidade” no caso decidido pelo Acórdão n.º 275/02, como resulta logo da leitura da sua fundamentação – e sem que se afigure necessário recordar as virtudes, democráticas e para o próprio funcionamento de um órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade, do emprego de fundamentações estreitas e limitadas à dimensão normativa aplicada (analisadas, para a Supreme Court americana, por Cass Suns- tein, One Case at a Time/Judicial Minimalism on the Supreme Court , Cambridge, Mass., Harvard Un. Press, 1999, esp. pp. 259 e ss., embora sem deixar de notar o compromisso entre tais virtudes e a eficácia fora de cada processo da atuação do intérprete da Constituição).

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