TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

662 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Pareceria assim, que por família, para este efeito, deveriam entender-se aquelas pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso concreto, desempenham de facto as funções de família [citando, neste sentido, A. von Tuhr]. Essas pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a vítima, é de presumir sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O critério não seria, pois, jurídico, mas de facto. No entanto, poderia também entender-se que só às pessoas ligadas juridicamente por laços de família (Cônjuge, parentes e afins) deveria reconhecer-se o direito à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não tinham o direito de contar com a continuação da situação de facto em que se encontravam com o falecido e não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais ou não, resultantes da morte dele. Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem o poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares. Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela. (…) Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria praticamente nula.» Vaz Serra referia ainda, em nota, que, “quanto à concubina”, poderia intervir, para excluir o direito à com- pensação, a consideração da “atitude tomada a respeito da união livre” (p. 98, n. 58, e pp. 91-92). Mas concluía propondo (também como alternativa) que no caso de morte de uma pessoa, quando as circunstâncias de facto o impusessem, poderia “reconhecer-se direito de satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família dela” – ob. cit. , p. 107, e Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com exceção dos contratos em especial) – Anteprojeto, Lisboa, 1960, artigo 759.º, n.º 3, p. 624 (itálico aditado). O projeto de Código Civil (artigo 498 .º , n .º 2) veio, porém, a fixar-se na alternativa de reconhecimento da “indem- nização por danos não patrimoniais” por morte “em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem” , numa solução em que (segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado , vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Edição, 1987, artigo 496.º, anot. 5, p. 501), as “excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito”. Considerando que a morte de uma pessoa é um evento lesivo suscetível de causar danos não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas, a delimitação dos possíveis titulares da compensação por danos não patrimoniais (próprios) em caso de morte da vítima obedeceu, fundamentalmente, já a uma razão de certeza, evitando-se a multiplicação inde- terminada de pretensões indemnizatórias em consequência da morte, já à conveniência em evitar que o lesante por mera culpa se visse assoberbado por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número alargado, ou mesmo ilimitado, de pessoas, com as quais não poderia contar. Por estas razões, no n .º 2 do artigo 496 .º o legislador limitou o leque de pessoas cujos danos não patrimoniais, causados diretamente pela morte da vítima, são atendíveis, e dividiu mesmo tais pessoas em dois grupos, segundo uma presunção assente na proximidade familiar (primeiro, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; “na falta destes”, os pais ou outros ascendentes; e, “por último”, os irmãos ou sobrinhos que os representem). Disse-se no Acórdão n .º  275/02 que tais justificações se revelavam desajustadas à dimensão normativa em questão nesse caso, por o beneficiário da indemnização se encontrar então perfeitamente delimitado e ser apenas um, e por não merecer “certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”. Há que apurar se é igualmente assim no presente caso.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=