TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

663 acórdão n.º 624/19 9. Revertendo então ao caso dos autos – em que (recorde-se) o que está em causa é a constitucionalidade da exclusão da “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos pela pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem –, pode igualmente proceder-se a um confronto com os parâmetros constitucionais relevantes em dois momentos, e desdobrando a análise segundo o invocado pelo recorrente – que é, recorde-se também, a “violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; do direito a constituir família independentemente de qualquer vínculo formal estabelecido no art.º 36.º, n.º 1 da nossa Lei Fundamental e da conceção constitucional de família vertida no artigo 67.º, n.º 1, da Constituição”. Assim, quem não acompanhasse a decisão proferida no Acórdão n .º  275/02 (tirado com dois votos de vencido) difi- cilmente chegará a uma solução de inconstitucionalidade no presente caso, considerando que se não está perante um crime doloso, mas perante um acidente de viação (com violação de regras de circulação e de deveres de cuidado) provocado por negligência, isto é, não só perante diferentes graus de culpa, mas perante ilícitos também de diverso tipo e gravidade, como se notou na decisão recorrida; e considerando, ainda, que, sob a perspetiva (se não da normal previsibilidade, pelo menos) da frequência dos ilícitos e dos eventos lesivos em questão, se estava, no caso então decidido, perante um evento (homicídio doloso) muito pouco frequente, o que, infelizmente, já se não pode seguramente dizer do que deu origem ao acidente de viação ocorrido no caso dos autos. Não existem, com efeito, na dimensão normativa em apreciação no presente recurso, outras particularidades que, para quem não acompanhasse o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão n.º 275/02, pos- sam conduzir a uma conclusão de desconformidade com a Constituição da República, por violação dos princípios da igualdade ou de outros princípios ou normas constitucionais. 10. Mas mesmo quem tenha subscrito o julgamento de inconstitucionalidade do Acórdão n .º  275/02 não é necessa- riamente conduzido, pelo seus fundamentos, a uma solução de incompatibilidade com a Constituição da solução norma- tiva em apreciação no presente recurso de constitucionalidade. Quanto ao princípio da igualdade, já se notou que ele não constituiu o fundamento decisivo para a decisão tomada maioritariamente no Acórdão n.º 275/02. E recorde‑se, a propósito, o que se disse no citado Acórdão n.º 195/03: «Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o legislador pode conside- rar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas, e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577.º do Código Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.» E, posteriormente, no também citado Acórdão n.º 159/05: «Assim, na ótica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencional- mente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter pretendido retirar todo o espaço à prosse- cução, pelo legislador infraconstitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objetivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.»

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