TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

666 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não é, com efeito, possível detetar no presente caso qualquer falta grosseira ou evidente de adequação entre a dimen- são normativa ora em apreço e as finalidades dessa delimitação, resultante do artigo 496 .º , n .º 2 (note-se, aliás, e como se referiu, que o legislador goza, neste âmbito, de uma considerável margem de discricionariedade para ponderar os vários interesses envolvidos, e sem que se possa retirar da Constituição um certo e único regime constitucional- mente admissível, e que, na dúvida, sobre tal inadequação sempre seria de decidir no sentido da inexistência de inconstitucionalidade). É o que facilmente se conclui, desde logo, para a justificação consistente na necessidade de limitar as pretensões indem- nizatórias, por razões de certeza, que se pode revelar procedente para lesões que se verificam com uma frequência diária, e sem qualquer relação prévia entre lesante e lesado (diversamente do que acontecia com a lesão provocada pelo homicídio no caso do Acórdão n .º  275/02). Sem tal limitação, os prejuízos não patrimoniais resultantes da morte poderiam ser invocados frequentemente, e “por vezes por um número considerável de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria praticamente nula” (nas palavras citadas de Vaz Serra). O que é reforçado pela consideração da expectativa do lesante de se não ver assoberbado com um número não definido de pretensões indemnizatórias. Na verdade, afirmou-se, no caso decidido pelo Acórdão n.º 275/02, que “não merece certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”. Tal posição do lesante, se não merecia proteção, dada a “gravidade extrema do ilícito” e o dolo do lesante, no caso do Acórdão n .º  275/02, não tem de ser considerada irrelevante – sob pena de erro grosseiro de avaliação do legislador – num caso como o dos autos, em que está em causa a infração de regras legais de circulação rodoviária e de deveres de cuidado, com negligência do lesante, da qual veio a resultar o acidente que provocou a morte. Não pode, com efeito, excluir-se que o legislador atenda à conveniência em que os lesantes civis por mera culpa se não vejam assoberbados por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número ilimitado de pessoas, dada a frequên- cia estatística de situações como a dos autos. E neste sentido pode, pois, também concordar-se com a decisão recorrida quando salienta que a solução encon- trada no Acórdão n.º 275/02, “diferente da, aqui, defendida, tem, confessadamente, a marca da gravidade extrema do ilícito”, ou com quem considera questionável a extensão dessa solução “às situações, mais frequentes, em que a pretensão indemnizatória se insere no quadro da responsabilidade civil por negligência ou pelo risco” (como A. A. Geraldes, ob. cit. , p. 27). E isto, repete-se, quer para quem não subscrevesse o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão n.º 275/02, quer para quem adotasse a posição que nele fez vencimento. 13. Conclui-se, pois, que a norma do artigo 496 .º , n .º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito a indem- nização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem, não viola nem o princípio da igualdade nem o artigo 36 .º , n .º 1, da Constitui- ção conjugado com o princípio da proporcionalidade, parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente (já que nada mais se pode retirar, no sentido da inconstitucionalidade, da invocação da “conceção constitucional de família vertida no artigo 67 .º , n .º  1, da Constituição”, que não tenha já sido considerado na fundamentação que antecede). […]” (itálicos acrescentados). 2.2. Deve sublinhar-se que, entre o Acórdão n.º 86/07 e a presente data, o artigo 496.º foi alterado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e passou a prever a indemnização do dano morte em caso de união de facto. Assim, onde se previa: 1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

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