TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

668 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL referidas anteriormente. Equiparar-se-ão, para efeitos ressarcitórios, a uma relação matrimonial outras formas de convivência paraconjugal, nomeadamente em união de facto? Equiparar-se-á a uma relação de filiação uma outra relação afetiva que replique o vínculo parental-filial? Pensamos, aqui, por exemplo, na figura primária de referência em relação a uma criança e a um jovem e que pode não coincidir com nenhum dos progenitores. Julgamos que, em ambos os casos, à luz do direito constituído, a resposta terá que ser negativa. Em qualquer das hipóteses falta às relações a cobertura jurídica que permita a afirmação, no seu seio, de interesses merecedores da proteção delitual à luz do artigo 483 .º Nem mesmo, quanto à união de facto, a multiplicação de efeitos jurídicos que, ao longo do tempo, a lei lhe vem associando permitirá uma conclusão diversa. A tutela prevista na lei (nomeadamente na Lei 7/2001, de 11 de maio) continua a ser fragmentária e meramente assistencial (dirigida aos momentos de crise). Trata-se, portanto, ainda de uma relação de facto que se desenvolve, sobretudo, num espaço de não direito. Os unidos de facto não assumem um compromisso juridicamente relevante, inexistindo um mecanismo de registo da relação. Não se vinculam reci- procamente a quaisquer deveres, não ficando encabeçados, portanto, num direito relativo àquela concreta relação familiar. É reconhecido a cada companheiro a faculdade de livre desvinculação unilateral ad nutum : os unidos de facto não são, portanto, titulares de qualquer direito ou interesse juridicamente protegido à manutenção da relação de união de facto que possam invocar nem mesmo inter partes , quanto mais face a terceiros. Neste contexto normativo não se descortinam normas qualificáveis como normas de proteção, nem dele se consegue extrair a afirmação da titularidade pelos unidos de facto de direitos, cuja violação possa desencadear o funcionamento da responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º Faltará, portanto, a verificação de um dos requisitos de que depende o surgimento de uma pretensão ressarcitória: a ilicitude. […]” (Rute Pedro, ob. cit. , pp. 266 e s., itálicos acrescentados). Se é certo que aquela discussão se situa, em boa medida, no plano do direito infraconstitucional (no qual se colocam questões múltiplas e complexas – cfr., a propósito, Mafalda Miranda Barbosa, (Im)pertinência da autonomização dos danos puramente morais? Considerações a propósito dos danos morais reflexos, Cadernos de Direito Privado, n.º 45, janeiro/março de 2014, pp. 3 e seguintes, especialmente pp. 15 e seguintes) – como tal, não interferindo diretamente com o juízo de inconstitucionalidade visado no recurso –, ela releva, desde logo, para realçar as assinaláveis diferenças substanciais entre os regimes do casamento e da união de facto, que comprometem os termos de comparação de que se poderia partir para um juízo de violação do princípio da igualdade. Aliás, como justamente se observa no Acórdão n.º 86/07, “[…] no Acórdão n.º 275/02 não se considerou inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, na interpretação então questionada, por violação do princípio da igualdade, mas antes, e apenas, por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”. Por outro lado, mesmo retirando do n.º 1 do artigo 36.º da Constituição, como se afirma no Acórdão n.º 275/02, “[…] o dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no casamento – isto, pelo menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que diretamente contendam com a proteção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento”, há que reconhecer, no caso de lesão corporal, pelo menos, uma lesão atenuada (face ao dano morte), cujo sacrifício – para quem considerar a posição do membro da união de facto não diretamente lesado carecida de tutela indemnizatória por via das exigências daquela norma consti- tucional – representará uma restrição objetivamente menos desequilibrada do que aquela que foi apreciada no (e não censurada pelo) Acórdão n.º 86/07. Assim, se a Constituição, face à jurisprudência constitucional citada, não impunha a atribuição de indemnização do dano morte ao membro da união de facto a par do cônjuge (ou seja, a alteração legislativa assinalada encontrou a sua justificação na legítima vontade do legislador em reforçar a posição do membro sobrevivo da união de facto, não em qualquer imposição da Lei Fundamental) – e não a impunha nem por força do princípio da igualdade, nem por força do artigo 36.º, n.º 1, conjugado com o princípio da propor- cionalidade –, idênticos fundamentos valem para concluir que a Lei Fundamental não impõe a atribuição de

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