TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
67 acórdão n.º 464/19 ordem jurídica interna subordinados ao princípio da constitucionalidade (artigo 3.º, n.º 3, da Constituição), coloca-se a questão de saber se a legislação nacional respeita a Constituição. Na exata medida em que tal não seja o caso, compete ao Tribunal Constitucional eliminar as correspondentes normas da ordem jurídica interna, através de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 282.º, n.º 1, da Constituição). Essa a questão que consubstancia o objeto do presente processo. Daqui não se segue, todavia, que o Direito da União Europeia, assim como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (para o qual, de resto, o artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58 também remete – cfr. a referência ao n.º 2 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia constante da última frase de tal preceito), devam aqui ser objeto de desconsideração, na apreciação da constitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017. Com efeito, por força das normas do artigo 8.º da Constituição que estabelecem a relevância do Direito Internacional e do Direito da União na ordem jurídica interna e, também, da cláusula aberta no domínio dos direitos fundamentais consagrada no artigo 16.º da Constituição, este Tribunal não pode deixar de considerar os direitos fundamentais consagrados na CDFUE e na referida Convenção, devendo igualmente ter em conta, numa perspetiva de diálogo interjurisdicional, a interpretação que dos mesmos tem vindo a ser feita pelas instâncias competentes para a sua aplicação, nomeadamente o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (“TEDH”). c) A jurisprudência europeia em matéria de proteção da privacidade das comunicações eletrónicas Como referido, a problemática do tratamento de dados relativos às comunicações é matéria objeto de regulação por parte do direito da União Europeia e da CEDH, pelo que se justifica tomar em consideração a proteção que o direito à privacidade e à tutela dos dados pessoais tem conhecido na jurisprudência do TJUE e na jurisprudência do TEDH. i. A Carta dos Direitos Fundamentais da UE Respeitando as tradições constitucionais dos Estados-Membros da UE, a CDFUE reafirma no seu preâmbulo «os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações inter- nacionais comuns aos Estados-Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da Convenção europeia para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos». Neste documento proclamatório de direitos fundamentais, de caráter vinculativo para os Estados -Mem- bros (artigo 6.º, n.º 1, do TUE), destacam-se duas normas de fundamental relevância nesta matéria, a saber, as normas constantes dos artigos 7.º e 8.º. A norma do artigo 7.º consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pelas comunicações, sendo a norma tributária de todo o percurso de densificação destes direitos percorrido no plano europeu até à sua aprovação. Aliás, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º, este direito tem um sentido e um âmbito iguais aos do artigo correspondente da CEDH. Por conseguinte, as restrições suscetíveis de lhe serem legitimamente impostas são idênticas às toleradas no quadro do artigo 8.º da Convenção. Por seu turno, a norma do artigo 8.º consagra o direito à proteção dos dados de caráter pessoal, ao acesso a esses dados e ao seu tratamento leal e com um fundamento legítimo. O conceito de dados, com interesse no presente processo, inclui “qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, considerando-se identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeada- mente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social” (cfr. Catarina Sarmento e Castro, “Comentário ao artigo 8.º”, in Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Alessandra Silveira e Mariana Canotilho (ed.), Almedina, Coimbra, 2013; vide também a noção legal de “dados pessoais” do artigo 4.º, 1),
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