TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

679 acórdão n.º 641/19 para a gratuitidade da administração da justiça. Mas, se isto é certo, menos não é que, se for exigido, sem mais, a quem recorra aos tribunais para a defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, exorbitantes quantitativos mone- tários, obviamente que, por essa via de certo modo indireta, se restringe tal recurso, mormente se quem desejar dele lançar mão não desfrutar de meios económicos que, sem grande sacrifício, possam suportar aqueles quantitativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª edição, p. 182, que assinalam que ‘o reconhecimento do direito de recorrer aos tribunais seria meramente teórico se não garantisse que o direito a via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos’)». A imposição, pela portaria, da necessidade de depósito da totalidade do valor da nota justificativa da conta de custas para que dela se possa reclamar, junto do tribunal, deve ser considerada, neste aspeto, um condicionamento restritivo inovatório do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Não está em causa um mero aspeto regulatório de ato legislativo, mas a imposição de um ónus ao reclamante, sem base em norma legal prévia. Ora, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais da República inclui uma posição subjetiva «de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias» (cfr. Acórdão n.º 347/09, ponto 8, cfr. também o Acórdão n.º 189/16, ponto 7), que está aqui em presença. Nesses termos, por força do artigo 17.º da Consti- tuição, «é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça» (cfr. Acórdão n.º 189/16, ponto 7), onde se inclui a reserva material de lei. Assim, acompanhamos a conclusão retirada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 189/16, ponto 7, de que «tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não exis- tindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.» No caso dos autos, porém, as disposições introduzidas pela Portaria n.º 46/2015, de 13 de fevereiro, não comportam, como tivemos ocasião de explicitar acima, uma disciplina inovatória face à LADT. Também não procede o argumento de inexistência de norma habilitante, gerador de vício de inconstitu- cionalidade orgânica. Com efeito, recorde-se que as Portarias n.º 278/2013, de 26 de agosto e n.º 46/2015, de 23 de fevereiro, respeitam à regulamentação da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que aprovou o regime jurídico do inventário. Ora, o artigo 84.º da sobredita Lei estabeleceu, sob a epígrafe apoio judiciário 1 – Ao processo de inventário é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime jurídico do apoio judiciário. 2 – Nos casos de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o regime de pagamento dos honorários e a responsabilidade pelos mesmos são regulados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. Assim, considerando que a Portaria n.º 278/2013 – na redação introduzida pela Portaria n.º 46/2015 relativamente ao artigo 26.º- I – veio precisamente regulamentar o processamento dos atos e os termos do pro- cesso de inventário no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, o que fez com observância do regime previsto na LADT, não se divisa a invocada preterição dos artigos 112.º, n. os 1, 2 e 5 e 165.º, n.º 1, alínea b) , todos da Constituição. Procede, por isso, o recurso do Ministério Público.

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