TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
69 acórdão n.º 464/19 O TJUE, nesta decisão Tele 2 , apesar de no seu dispositivo referir apenas os três citados requisitos, na fundamentação, exige ainda que os cidadãos sejam informados, a posteriori , desse acesso, e tenham ao seu dispor meios de reação ou remédios que lhes permitam controlar e impugnar o acesso aos seus dados, quando ilícito (n.º 121). Por último, uma palavra para a Diretiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações com vista a garantir a disponibilidade desses dados para efeitos de investigação, deteção e de repressão de crimes graves, assim subtraindo tais dados ao âmbito de aplicação do artigo 15.º da Diretiva 2002/58. Tal Diretiva foi declarada inválida, pelo TJUE, no acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. , C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238 (a seguir, “ acórdão Digital Rights ”). Considerou o TJUE, no mencionado processo, que “a Diretiva 2006/24 não esta- belece regras claras e precisas que regulem o alcance da ingerência nos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.º e 8.º da Carta” (n.º 65). Consequentemente, entendeu que era inevitável “concluir que esta diretiva comporta uma ingerência nestes direitos fundamentais, de grande amplitude e particular gravidade na ordem jurídica da União, sem que essa ingerência seja enquadrada com precisão por disposições que per- mitam garantir que se limita efetivamente ao estritamente necessário” ( ibidem ). A diretiva invalidada pelo TJUE foi transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, a qual, todavia, não foi imediatamente afetada pela declaração de invalidade da Diretiva 2006/24/CE (isto sem prejuízo de se considerar “imperativo avaliar a conformidade desta com o direito da União Europeia, em especial com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE”; nesse sentido, vide C. Guerra e F. Calvão, “Ano- tação ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção)”, in Fórum da Proteção de Dados , n.º 1, julho 2015 e, ainda a Recomendação n.º 1/B/2019 da Provedora de Justiça sobre a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho). Apesar de a Lei n.º 32/2008 se reportar ao tratamento de dados (recolha, registo ou conservação), que serão, num momento posterior, transmitidos aos serviços de informação e segurança, encontrando-se, por- tanto, as suas disposições numa relação de complementaridade com as normas agora em apreciação, relativas ao acesso a dados previamente conservados – embora, como resulta das disposições da Diretiva 2002/58 anteriormente referidas, os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas possam ou devam proceder ao armazenamento de dados também por razões técnicas ou ligadas à faturação de serviços –, o problema da sua validade, à luz da Constituição, não foi, contudo, colocado ao Tribunal Constitucional no presente processo, pelo que não será proferida qualquer pronúncia a este respeito. Com efeito, tal questão não foi integrada no objeto do processo, tal como delimitado pelo princípio do pedido, nem pode afirmar-se existir uma relação de dependência funcional ou de incindibilidade entre normas, suscetível de justificar um alargamento do pedido. Eventuais problemas de constitucionalidade, por violação de normas e princípios constitucionais, terão que ser colocados em processo de fiscalização abstrata sucessiva pelas entidades legitimadas para o efeito, ou em processos de fiscalização concreta, verificados os seus pressupostos específicos de admissibilidade. ii. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos O standard mínimo de proteção dos direitos fundamentais é o consagrado nas normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, interpretadas de acordo com a jurisprudência do TEDH. A jurisprudência do TEDH deve ser considerada pelo Tribunal Constitucional nas suas decisões como critério coadjuvante na interpretação das normas constitucionais, atendendo, nomeadamente, aos juízos de ponderação no contexto da aplicação do princípio da proporcionalidade e à densificação do conteúdo dos direitos fundamentais, sobretudo quando estão em causa novos direitos ou novas dimensões de direitos preexistentes. Por força da cláusula aberta no domínio dos direitos fundamentais consagrada no artigo 16.º da Constituição, este Tribu- nal não pode, na verdade, deixar de considerar os direitos fundamentais consagrados na referida Convenção,
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