TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL devendo igualmente ter em conta a interpretação que dos mesmos tem vindo a ser feita pelo Tribunal Euro- peu dos Direitos Humanos (TEDH). A pedra de toque deste standard europeu de proteção e garantia dos direitos fundamentais à reserva da intimidade da vida privada, ao sigilo das comunicações e à proteção de dados, aqui em causa é, naturalmente, o artigo 8.º da CEDH. Dispõem as normas deste artigo que: 1) qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência e 2) não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segu- rança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. O TEDH tem conhecida jurisprudência sobre a matéria, sendo habitual submeter os regimes jurídicos nacionais que possibilitam intervenções estaduais neste campo a um teste de proporcionalidade bastante estrito. Assim, pese embora o facto de o TEDH reconhecer a importância do dever estadual de proteção da sociedade contra todas as formas de terrorismo e de ameaça aos valores democráticos, e de admitir restrições aos direitos consagrados no artigo 8.º da CEDH por esse motivo, exige, contudo, um escrutínio intenso e atento às circunstâncias de cada caso concreto. Em várias decisões, já citadas no Acórdão n.º 403/15, deste Tribunal, esclareceram-se uma série de pressupostos de validade das intervenções restritivas no âmbito das comunicações e da recolha de dados pessoais. Como o Tribunal Constitucional já deu nota nesse acórdão, o TEDH afirmou: «(…) que um processo de acesso a dados, porque não sujeito ao escrutínio dos indivíduos visados, tem de ser compensado por uma lei suficientemente tuteladora dos direitos fundamentais (Acórdão de 06/06/2006, Segers- tedt-Wiberg e outros c. Suécia , queixa n.º 62332/2000); que essa lei deve empregar termos suficientemente claros para possibilitar a todos os cidadãos terem conhecimento das circunstâncias e dos requisitos que permitem ao poder público fazer uso de uma medida secreta que lesa o direito à vida privada pessoal e familiar e à correspon- dência (Acórdão de 02/08/1984, Malone c. Reino Unido, queixa n.º 8691/79); que seria contrária às exigências do artigo 8.º, n.º 2, da CEDH se a ingerência nas telecomunicações fosse conferida aos poderes públicos através de um poder amplo e discricionário, e que são necessárias regras claras e detalhadas, especialmente devido ao facto de a tecnologia disponível se tornar cada vez mais sofisticada, a fim de garantir uma proteção adequada contra ingerên- cias arbitrárias (acórdão de 16/02/2000, Amann c. Suíça, queixa n.º 27798/95); e nos casos Valenzuela c. Espanha (Acórdão de 30/07/1998, queixa n.º 27671/95) e Prado Bugallo c. Espanha (Acórdão de 18/02/2003, queixa n.º 58496/00), chegou à mesma conclusão, afirmando que a lei que permitia a ingerência nas comunicações não era suficientemente clara e precisa, não mencionando a natureza das infrações que podem dar lugar às mesmas, a fixa- ção de um limite de duração da medida, as condições de acesso aos dados e a eliminação dos mesmos». Tem entendido o TEDH, a este propósito, que a interferência nestes direitos tem de estar de acordo com a lei, e que, por razões de segurança jurídica, a lei deve ser suficientemente clara nos seus termos para fornecer aos indivíduos uma indicação adequada sobre quais são as circunstâncias e as condições que permitem às autoridades recorrer a essas medidas. A decisão mais recente do TEDH, de 13 de setembro de 2018 ( Big Brother Watch and Others v. the United Kingdom, queixas n. os 58170/13, 62322/14 e 24960/15), sobre a proteção do direito à privacidade em face de ingerências nas comunicações e dados de tráfego, incidiu sobre queixas de jornalistas e organi­ zações de direitos humanos em relação a três distintos regimes de vigilância: (1) a interceção em massa de comunicações; (2) a partilha de informações com governos estrangeiros; e (3) a aquisição de dados de comu- nicação previamente armazenados pelas empresas fornecedoras de serviços de comunicações. Embora o TEDH já se tenha pronunciado noutros processos (por exemplo, Centrum För Rättvisa c. Sweden, Weber and Saravia c. Germany; Liberty c. the United Kingdom ), o caso Big Brother Watch é o primeiro

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