TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

705 acórdão n.º 660/19 Quando um tribunal recusa a aplicação de certa norma com fundamento em inconstitucionalidade está, com isso, a contrariar uma decisão de um órgão constitucionalmente dotado de poder legislativo. A situação suscita um interesse objectivo do ordenamento jurídico numa resolução rápida desse “conflito entre o poder judicial e o poder legislativo”, evitando que subsistam decisões judiciais de recusa de aplicação de normas, com fundamento em inconstitucionalidade, sem que esse juízo de inconstitucionalidade seja, de forma certa (independentemente da interposição do recurso de parte) e imediata, sindicado pelo Tribunal Constitucional, enquanto “garante” último da Constituição. Daí que seja atribuída legitimidade ao Ministério Público para interpor recurso, sendo este obrigatório (artigo 72.º, n.º 3, da LTC) e admitido sem prévia exaustão dos recursos ordinários (cfr., a contrario , o n.º 2 do artigo 70.º da LTC). Assim, quaisquer fundamentos alternativos que eventualmente sustentem – em paralelo com o juízo de incons- titucionalidade – o sentido da decisão recorrida, são fundamentos ainda não consolidados na ordem jurisdicional respectiva, uma vez que estão sujeitos a recurso ordinário e eventual posterior revogação. Não é, por isso, possível formular, com a segurança necessária, um juízo de prognose no sentido da manutenção do sentido da decisão com base em tais fundamentos alternativos. Em consequência, nos recursos ao abrigo da alínea a) , a utilidade processual deve ser medida, como mais desenvolvidamente se sustenta no Acórdão n.º 256/02 [256/04] pela projecção da decisão «(…) sobre o desfecho da acção, e não restritamente sobre a concreta decisão judicial recorrida, quando esta não é a decisão definitiva. Isto é: a utilidade processual é susceptível de ser aferida relativamente ao processo (à causa), não se reportando apenas à decisão recorrida)» − no mesmo sentido, já anteriormente, o Acórdão n.º 159/93, e, mais recentemente, os Acórdãos n. os  42/08 e 162/09. Pelo menos quando a decisão recorrida não for definitiva, não se requer que a inconstitucionalidade seja o fundamento único, nem sequer decisivo, da decisão: «basta que a desaplicação da norma tenha sido relevante para a decisão da causa, tenha estado entre os motivos que levaram o tribunal recorrido a proferir a decisão que proferiu» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 946)». 6. Do mérito do recurso 6.1. Com relevância para a decisão a proferir, são os seguintes os factos apurados: I. Por Acórdão de 31 de outubro de 2008, foi o Recorrido A., 1.º Subchefe aposentado da Polícia de Segurança Pública (PSP), condenado, pelo 3.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; II. O arguido foi ainda condenado no pagamento de uma indemnização cível à ofendida, B., no valor de €  22.456,98; III. Interposto recurso para o Tribunal superior, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de março de 2009, a julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, agravou a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância, condenando o arguido na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; IV. Posteriormente, em processo disciplinar que correu os seus termos pelo Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, foi deduzida acusação contra o arguido; V. O arguido exerceu o seu direito de defesa, invocando, designadamente, ter sido “prisioneiro de guerra em Goa, facto que o terá marcado e muito do ponto de vista da saúde mental”, apresentar “o desenvolvimento de traços de uma personalidade paranóide, desconfiado e impulsivo com dificuldades nas relações inter pes- soais” e sofrer de “Perturbação Delirante”, doença, essa, que teria determinado a sua aposentação da PSP com apenas 45 anos (cfr. fls. 232 dos autos);

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