TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

707 acórdão n.º 660/19 Em qualquer desses casos, o Tribunal tomou como ponto de referência a anterior jurisprudência sobre a inconstitucionalidade de normas que permitem a penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais ou rendimentos do trabalho de montante não superior ao salário mínimo nacional. Teve especialmente em atenção, nesse confronto, aqueles arestos que se pronunciaram pela não inconstitucionalidade do regime de impenhorabili- dade de prestações devidas pelas instituições de segurança social na parte em que visem cumprir a garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista (Acórdãos n. os  349/91 e 411/93), ou que vieram a considerar inconstitucionais normas processuais que permitem a penhora de uma parcela da pensão ou do salário cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional (Acórdãos n. os  177/02 e 62/02), ou ainda que permitam a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do pro- genitor que o prive do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais (Acórdão n.º 306/05). Para concluir, em sentido oposto, pela não inconstitucionalidade de uma medida de perda de pensão aplicável a um funcionário aposentado em consequência da prática de infração disciplinar quando este se encontrava no ativo, o Tribunal deu particular relevo à diferente natureza da situação que está aí em causa. Neste caso, a afetação da pensão de aposentação não resulta de um ato de penhora, visando a satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, mas antes de uma pena disciplinar que visa prosseguir fins retributivos e de prevenção geral que ficariam definitivamente prejudicados pela isenção de pena em relação aos agentes da infração que passassem entretanto à situação de aposentados (Acórdão n.º 442/06). Além de que, como também se afirma, nos casos em que da aplicação do regime legal resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista, «sem- pre este poderá recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo aí a prova da alegada situação de necessidade», daí se concluindo, em ponderação dos diversos interesses em presença, que não fica violado o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, quando se encontram disponíveis no sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista. Este entendimento jurisprudencial, formulado a propósito do disposto no artigo 15.º do Estatuto Disciplinar de 1984, foi reiterado, em relação à precisa norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c) , do Regulamento Disciplinar da PSP, pelo Acórdão n.º 518/06, em que se afirma o seguinte: Na verdade, o julgamento desta questão distancia-se da solução encontrada quanto à satisfação de um direito de crédito. Aqui, estamos em presença de uma pena disciplinar que visa, dando satisfação a um interesse público, punir uma infração violadora de determinados deveres funcionais, ainda que praticada numa situação de aposen- tação, na execução da qual é admissível que o arguido suporte um incómodo que se repercuta nas suas condições de vida. Por outro lado, mesmo no caso em que da aplicação da norma resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência condigna, sempre o interessado poderá recorrer aos mecanismos assistenciais previstos no ordenamento jurídico, destinados a fazer face a situações de carência económica. Havendo mecanismos que visam assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do cidadão, não poderá, com efeito, concluir-se que pela aplicação da questionada norma fica violado o princípio da dignidade da pessoa humana, ou qualquer outro previsto nos artigos 1.º, 19.º, 26.º n.º 3, 59.º n. os  1 alínea f ) e 2 alínea a) e 63.º da Constituição, como alega o recorrente». Contudo, o Acórdão n.º 858/14 veio a romper com esta linha de orientação, entendendo que: «Ainda que deva reconhecer-se que a perda do direito à pensão como consequência da prática de infração disciplinar e a penhora de salários ou prestações sociais para satisfação coerciva de um direito de crédito se encontram subordinadas a razões de política legislativa com um diferente grau de relevância, o certo é que o direito fundamental a uma existência condigna, como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, quando seja aplicável a qualquer dessas situações, está sujeito a um mesmo critério de ponderação valorativa».

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