TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

708 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Neste Acórdão, o Tribunal centralizou a fundamentação na dignidade da pessoa humana como «um verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto de validade das res- petivas normas» (Acórdão n.º 105/90), diretamente convocável, também na área de tutela atinente às con- dições materiais de vida. Considerou, assim, que o núcleo essencial da garantia de existência condigna, inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana, deve ser perspetivado, tendo por referência o valor do salário mínimo nacional, considerado como «a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador». Por tal valor «ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (Acórdão n.º 62/02). É com base neste enquadramento que o Tribunal tem entendido que a Constituição impõe a impenhorabilidade de pensões sociais de montante reduzido, que não exceda o salário mínimo nacional, e inviabiliza a penhora de rendimentos do trabalho que possa conduzir à privação da disponibilidade do salário mínimo nacional, quando o devedor não for titular de outros bens ou rendimentos suscetíveis de penhora (Acórdão n.º 177/02). Foi ainda à luz da garantia de um mínimo de sobrevivência que o Tribunal considerou constitucionalmente justificável a imposição legal às entidades seguradoras da atualização anual das pensões por morte causada por acidente de trabalho (Acórdão n.º 232/91). Neste sentido, e invocando esta jurisprudência, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 858/14, entendeu que «(…) não se vê nenhum motivo para que este mesmo princípio não seja invocável quando está em causa a supressão da totalidade da pensão de aposentação por um período contínuo de 4 anos, ainda que essa supressão resulte da aplicação de uma medida disciplinar», acrescentando o seguinte: «As medidas disciplinares visam a proteção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração dis- ciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (Luís Vasconcelos de Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: as Relações com o Processo Penal , Coimbra, 1993, p. 43). Assim se explica que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração (artigo 26.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 1984, replicado no artigo 18.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 2008, e no artigo 187.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao contrário, os fins de prevenção geral no âmbito do direito disciplinar encontram-se desde logo comprome- tidos pela vigência do princípio da oportunidade, pelo qual a Administração dispõe de liberdade para desencadear a perseguição disciplinar de uma infração, cabendo-lhe decidir, em face das circunstâncias do caso, se é conve- niente do ponto de vista do interesse público exercer o poder disciplinar. Alguns afloramentos desse princípio encontravam-se nos artigos 50.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, do mesmo Estatuto, que conferiam à entidade competente, logo que seja recebido o auto, participação ou queixa, o poder decidir se há lugar ou não a procedimento discipli- nar, e ao instrutor a possibilidade de propor o arquivamento se entendesse que os factos constantes dos autos não constituem infração disciplinar, que não foi o arguido o agente da infração ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou outro motivo ( idem , p. 43 e 51 a 54). E sublinhe-se que a sujeição ao poder disciplinar dos funcionários e agentes que tivessem passado à situação de aposentados, com a consequente possibilidade de substituição das penas profissionais por sanções de natureza pecuniária, que vigorava no domínio do Estatuto Disciplinar de 1984 (artigos 5.º, n.º 3, e 15.º), deixou de ter aplicação com a aprovação do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, que prevê a extinção da pena com a cessação da relação jurídica de emprego público e desde que esta não volte a ser renovada (artigo 12.º) – o que também explica a cessação da execução das penas em curso, à data da entrada em vigor da Lei, relativamente a trabalhadores aposentados (artigo 4.º, n.º 8, da Lei n.º 58/2008) –, regime que ainda se mantém com a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, como resulta por argumento a contrario sensu do disposto no seu artigo 176.º, n. os  3 e 4.

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