TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
71 acórdão n.º 464/19 em que o TEDH especificamente considera a interceção e o acesso a dados de tráfego (distintos dos dados de conteúdo) como uma interferência na vida privada das pessoas. Relativamente à aquisição de dados previamente armazenados, o TEDH, no caso Big Brother Watch , estabelece os seguintes critérios de conformidade destas medidas ao artigo 8.º da CEDH (§§ 464 a 467): (1) o regime deve estar de acordo com a lei, no sentido de esta ser clara, acessível e de efeitos previsíveis para os cidadãos; (2) deve prosseguir um objetivo legítimo, (3) e ser necessário numa sociedade democrática, restringindo-se ao combate à criminalidade grave; (4) o acesso deve estar sujeito a uma autorização prévia decidida por um tribunal ou por uma entidade administrativa independente; (5) a lei deve providenciar garantias adequadas contra a arbitrariedade. Embora referindo-se à recolha em massa de dados e à interceção das comunicações, questões não em causa no presente processo, afirma o TEDH que a lei tem de prever meios de notificação das medidas de vigi lância aos visados, que possibilitem que estes possam usar os recursos previstos para questionar a legalidade das medidas retrospetivamente, ou, em alternativa, que qualquer pessoa que suspeite ter sido monitorizada possa questionar os serviços de informação e recorrer aos tribunais em caso de ilicitude na recolha dos seus dados pessoais ( Big Brother Watch , § 310, seguindo orientação do acórdão Roman Zakharov v. Russia , decisão de 4, de dezembro de 2015, queixa n.º 47143/06), o que exigiu ao Reino Unido previsão, pela legislação nacional, de providências para a supervisão das medidas secretas de vigilância, mecanismos de notificação das pessoas visadas e vias de recurso. 7. Os dados pessoais a transmitir ao SIRP nos termos dos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 A Lei Orgânica n.º 4/2017 atribui aos oficiais de informação do SIRP o poder funcional de aceder a dados de comunicação que permitam identificar, entre outros dados, o assinante ou utilizador do meio de comunicação, a fonte, o destino, a data, a hora, a duração e o tipo de comunicação, bem como identificar o equipamento de telecomunicações utilizado ou a sua localização. Ora, a atividade destes oficiais de informações já foi amplamente caraterizada por este Tribunal, no mencionado Acórdão n.º 403/15, onde se entendeu que a recolha de “informações” para efeitos de “pre- venção” – que é a definição legal do âmbito da atividade dos serviços de informação – a dissocia, natural- mente, da atividade de investigação criminal. De facto, nos termos da Lei n.º 30/84 (Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), “aos serviços de informações incumbe assegurar, no respeito da Constituição e da lei, a produção de informações necessárias à preservação da segurança interna e externa, bem como à independência e interesses nacionais e à unidade e integridade do Estado” (n.º 2 do artigo 2.º). Também nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 9/2007 (que estabelece a orgânica do Secretário- -Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança), “o SIED é o único organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português”; e nos termos do n.º 3 do mesmo artigo “o SIS é o único organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido”. É certo que a existência de serviços de informações se afigura como um dos instrumentos ao dispor do Estado para garantir a segurança nacional, objetivo plasmado em diversos preceitos constitucionais, demons trativos tanto da sua importância, quanto do seu lugar no quadro da Constituição. A garantia da segurança enquanto tarefa fundamental do Estado estabelece-se, desde logo, nas alíneas a) e b) do artigo 9.º, nos termos das quais lhe cabe: a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; e b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático; tem ainda eco, na forma de direito fundamental, no n.º 1 do artigo 27.º, e no plano organizacional, nos artigos 272.º e 273.º do texto constitucional.
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