TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

710 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o interessado possa aceder por meios próprios, e, na ausência de uma cláusula de salvaguarda que evite a supressão total da pensão, coloca-o numa situação de carência que poderá pôr em causa as condições básicas de vida». A fundamentação acima aduzida, por se reportar à mesma norma, consente plena transposição para o caso agora em análise, dado que a aplicação do artigo 26.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP – privando o funcio- nário aposentado da totalidade da sua pensão de reforma – implica uma privação total do meio de subsis- tência de que o aposentado dispunha, afetando a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar, bem como lesando os interesses da vítima, na medida em que o pagamento da indemnização civil operava por via de descontos na pensão de reforma do condenado. III – Decisão 7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c) , do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na parte em que determina para os funcionários e agentes aposenta- dos a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos, por violação do princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 2.º da Constituição. b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 13 de novembro de 2019. – Mariana Canotilho (com declaração) – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Manuel da Costa Andrade. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, a cujos fundamentos adiro. Creio, no entanto, que existe outro fundamento para o julgamento de inconstitucionalidade no pre- sente caso, além da violação do princípio da proporcionalidade.  Efetivamente, devem ter-se também em consideração as normas sobre o direito fundamental aqui afe- tado, a saber, o direito à aposentação, corolário do direito à segurança social, consagrado no artigo 63.º da Constituição. É meu entender que a norma em apreciação constitui uma violação do dever estadual de res- peito pelos direitos fundamentais, ou seja, da dimensão negativa do direito à segurança social, que se traduz “num dever de abstenção, de não interferência nas esferas de autonomia, de liberdade e de bem-estar dos particulares garantidas pelos direitos fundamentais” (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais – Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais , AAFDL Editora, 2.ª edição, 2016, p. 310). Este dever de respeito, por parte do Estado, “inclusive na sua dimensão principal de dever de abstenção, tanto se aplica aos tradicionais direitos de liberdade, como a qualquer direito fundamental, incluindo, naturalmente, os direitos sociais (...). Também relativamente aos direitos sociais o Estado tem uma obrigação de respeitar o acesso individual aos bens protegidos, uma obrigação de não interferir com esse acesso, de não o afetar nega- tivamente, de se abster de intervir nas possibilidades e capacidade de acesso que o particular, por si próprio, ou integrado em instituições ou associações de que faz parte, autonomamente alcançou” (Jorge Reis Novais, op. cit. , pp. 311-312). Nestes termos, torna-se claro que pode haver violações de direitos sociais com origem não na violação de uma obrigação positiva, de facere , mas sim no incumprimento de obrigações negativas por parte do Estado.

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