TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

718 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por via do recurso da decisão que julga a reclamação da nota de custas de parte, pelo que deve ser considerado inconstitucional. Resta aferir a forma de conciliar a condição de recurso plasmada no n.º 3 do artigo 33.º da Portaria – “se exceder o valor de 50 UC’ – com o artigo 644.º do CPC que refere, no seu n.º 2, al. e) e g) , sob a epígrafe “Ape- lações autónomas” que “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância (...) e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção: (...) g) De decisão proferida depois da decisão final.” Neste sentido, é patente a contradição entre o n.º 3 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-04, que não admite o recurso da decisão proferida sobre a reclamação das custas de parte caso o valor da nota apresentada não exceda 50 UC e a norma ínsita no CPC, que admite o recurso de apelação da decisão que “comine outra sanção processual” (al. e) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC), bem como daqueloutra que seja “proferida depois da decisão final (al. g) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC). In casu é manifesta a contrariedade entre o teor do n.º 2, do artigo 33.º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-04 e o disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. e) mas especialmente al. g) , uma vez que qualquer decisão do despacho que incidiu sobre a reclamação da conta de custas é proferida depois da decisão final. Tratando-se, como se trata, de matéria ínsita numa portaria, tal contradição é ilegal por ser inadmissível que contrarie legislação com valor superior, no caso, o CPC mas também inconstitucional por violação da Lei Funda- mental. De facto entendemos que a norma do n.º 3 do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril, além de violar a lei expressa viola igualmente, no que ora importa analisar, a Lei Fundamental. Numa primeira instância, as leis apresentam uma hierarquia. uma ordem de importância, na qual as de menor grau devem obedecer às de maior grau. Eis a hierarquia das leis em Portugal: Lei Constitucional. Tratado interna- cional. Lei ordinária. Decreto-Lei. Decreto regional, Decreto regulamentar. Decreto regulamentar regional, Reso- lução do Conselho de Ministros, Portaria. Despacho. Postura pelo que a lei e o decreto-lei são atos legislativos sendo a portaria um ata emitido pelo poder administrativo. As leis e os decretos-lei têm o mesmo valor e são aprovados pelos órgãos legislativos, de acordo com os poderes conferidos pela Constituição da República Portuguesa e, por sua vez. a portaria é um ato do poder administrativo, que a Constituição atribui exclusivamente ao Governo. que é aprovado por um ou mais Ministros, em nome do Governo, e que regula em pormenor um determinado assunto. Em termos de hierarquia, a lei e o decreto-lei têm o mesmo valor na ordem jurídica portuguesa. Em caso de conflito aplica-se, entre eles o que for mais recente ou o que contiver uma regra que, por ser mais específica, se adequa melhor ao caso concreto. Já a portaria tem valor inferior às leis e aos decretos-lei e não os pode contrariar. Numa segunda instância, o recorrente invoca a inconstitucionalidade do artigo 33.º, n.º 2 por violação dos artigos 112.º, 161.º, 198.º e 20.º da CRP, argumentos que o Tribunal da Relação não acolheu. Na verdade, a imposição de condições de acesso dos cidadãos aos Tribunais para defesa de direitos, só pode ser estabelecida através dos atos legislativos previstos no artigo 112.º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa – leis, decretos-leis e decretos legislativos regionais, não sendo admissível que tal matéria seja regulamentada através de portaria. Assim sendo, a imposição de restrições de acesso dos cidadãos aos Tribunais por portaria, condicionando o recurso ao valor da nota de custas de parte, além de violar a norma do artigo 112.º, n.º 1, viola também as normas dos artigo 161.º (competência política e legislativa da Assembleia da Republica) e 198.º (competência legislativa do Governo), bem como o artigo 20.º de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, todos da CRP, e o princípio da separação de poderes. Na verdade, O direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva não se compadece, por ser discriminatória e desproporcionada, com uma restrição de acesso ao recurso judicial com base no valor da ação ou critério da sucumbência.

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