TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

721 acórdão n.º 661/19 2 – O CPC remete para o RCP a disciplina das custas de parte, a qual se encontra prevista nos respectivos arti- gos 25° e 26° (artigo 533°, n.° 1, do CPC). Por sua vez, a Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de abril, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.° 82/2012, de 29 de março (diploma que regulamenta o RCP) concretiza esta matéria no Capítulo V, com a epígrafe “Custas de parte”. 3 – A matéria relativa a custas de parte está regulada nos artigos 30.° a 33.° da Portaria. E não se entende que ao regular a matéria das custas de parte nestes artigos o legislador se esteja a afastar daquilo que referiu ser seu propósito com a publicação da Portaria – a regulamentação do modo de processamento das custas processuais, as quais integram as custas de parte. 4 – No entanto, a reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte, só foi prevista na Portaria 419-A/2009 pois a matéria da reforma e da reclamação da conta de custas de parte não se encontra prevista no RCP mas apenas na Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.° 82/2012, de 29 de março, que “regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades” e cujo artigo 33° prevê a reclamação da nota justificativa, a apresentar no prazo de 10 dias, devendo posteriormente ser decidida pelo juiz em igual prazo. Caso o valor da nota seja superior a 50 UC, prevê-se o direito a recurso em um grau desta decisão. Além disso, nos termos do mesmo artigo, são ainda aplicáveis subsidiariamente as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31° do RCP. 5 – Do exposto decorre que o legislador nada disse em sede legislativa – ou seja, no RCP – acerca da possibili- dade de reclamação da nota justificativa das custas de parte, tendo sujeitado regulamentarmente. através da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de abril, na redacção dada pela Portaria n.° 82/2012, de 29 de março, a impossibilidade de recorrer da decisão que incidir sobre essa reclamação, sendo justamente sobre a norma que resulta desta modi- ficação que incide o presente recurso, nomeadamente quando se refere, no n.° 3 do artigo 33.° que “Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.” 6 – Por conseguinte, cabendo a matéria em discussão na esfera de competência exclusiva da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.° 1, do artigo 165.° da Constituição, em conjugação com o respectivo artigo 20.°, n.° 1, dificilmente se entende que a matéria das custas de parte continue a ser regulada pela sobredita portaria. 7 – De facto, possuindo a temática das custas de parte uma natureza restritiva do direito fundamental de acesso aos tribunais e tendo em conta o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência nacionais como sendo este um direito análogo a um direito, liberdade e garantia (nomeadamente, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constitui- ção Portuguesa Anotada, vol. I, 2.” edição, Wolters Kluwer, Coimbra Editora, 2010, p. 304 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 237/90, de 3 de julho de 1990, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ) será de concluir pela aplicação do regime jurídico a estes aplicável, pelo que a matéria em apreço deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.”, n.° 2, da CRP – “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” 8 – Do Regulamento das Custas Processuais não consta qualquer norma habilitante que permita a regulamen- tação da matéria das custas de parte pelo que, estando em causa uma limitação a um direito fundamental como é o caso do acesso ao direito e aos tribunais, a norma em apreço padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, conforme o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. 9 – Tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação especí- fica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 3 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da Repú- blica, decorrente da alínea b) do n.° 1 do artigo 165.” da CRP. em conjugação com o artigo 20.°, n.° 1 da CRP.

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