TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

728 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ocorre que a já aludida Lei n.º 27/2019, de 28 de março, promoveu uma significativa alteração – ainda não trazida à apreciação perante este Tribunal – no regime das custas de parte, especificamente no âmbito da reclamação da nota justificativa. Isso porque tal diploma, adotado pela Assembleia da República (AR) e, portanto, respeitador da reserva de lei e da competência do poder legislativo, veio engendrar a reprodução normativa, em sede própria, do conteúdo das regras antes previstas pela Portaria n.º 419-A/2009. Na ver- dade, a nova Lei n.º 27/2019, da Assembleia da República, no seu artigo 6.º, copiou integralmente – ipsis litteris – o teor constante do artigo 33.º da Portaria em apreço e transpôs o mesmo para o RCP, a que acres- centou o artigo 26.º-A. Assim, temos que as normas que padeciam de inconstitucionalidade orgânica porque emanavam de instrumento regulatório impróprio para o efeito – afinal uma portaria de natureza administrativa não pode afetar matérias reservadas à lei e à competência do poder legislativo –, foram objeto de uma “legalização” superveniente, decorrente do exercício de funções legiferantes por parte da Assembleia da República. 13. Tendo em mente o novo enquadramento sistémico, é necessário averiguar se, para o caso dos pre- sentes autos, a nova legislação produzida é suscetível de atender à exigência constitucional de regulação por lei da Assembleia da República e de suprir a inconstitucionalidade orgânico-formal identificada na Portaria n.º 419-A/2009. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem estabelecido dois critérios nesta análise. Segundo os Acórdãos n. os  50/19 (ponto 10), 159/18 (ponto 10, in fine ) e 195/16 (ponto 8), a conclusão pela inconstitu- cionalidade orgânica de determinado diploma depende de se verificar o seguinte: i) a sanação do vício de inconstitucionalidade por força de lei posterior da Assembleia da República tenha sido feita à data de aplicação da norma; ii) nos casos de republicação normativa, ocorra a revogação global do diploma em crise. Nesse sentido, em síntese, para o que releva nestes autos, resta aferir se os efeitos da lei nova (Lei n.º 27/2019) se reportam ao momento em que in casu a Portaria n.º 419-A/2009 foi aplicada. A simples consulta do artigo 11.º da Lei n.º 27/2019 indica claramente que não. Lê-se: “Artigo 11.º Entrada em vigor A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data”. Considerando que esta nova lei foi publicada no Diário da República n.º 62/2019, Série I, de 28 de março de 2019, o termo previsto para o início da sua vigência foi 27 de abril de 2019, e apenas para as execuções a começar nesta data. Não é evidentemente o caso destes autos, cuja execução ordinária, Processo 1040/03.3TBPBL, tem como data de referência 26 de junho de 2017, data largamente anterior ao que definiu a nova lei. Com efeito, não há dúvida de que a eventual sanação do vício de inconstitucionalidade orgânica da Portaria n.º 419-A/2009 através da lei superveniente da Assembleia da República não atinge, em qualquer hipótese, o objeto deste recurso. Por esse motivo, seguindo o princípio tempus regit actum , e em consonância com os juízos formulados pelo Tribunal Constitucional, maxime nos Acórdãos n. os  189/16, 653/16 e 280/17, é de concluir que a matéria em causa devia ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

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