TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

73 acórdão n.º 464/19 Estes conceitos são distintos dos utilizados habitualmente pela jurisprudência constitucional. Com efeito, é isso que resulta do Acórdão n.º 241/02, em que o Tribunal acolheu a classificação tripartida que distingue dados de base, dados de tráfego e dados de conteúdo, classificação que foi reiterada pelos Acórdãos n. os 486/09 e 420/17 (este, seguindo a jurisprudência do já mencionado Acórdão n.º 403/15). Reconhece-se, contudo, que as categorias de dados e a sua designação mudam consoante a evolução tecnológica e consoante a fonte normativa utilizada: por exemplo, enquanto a Lei n.º 32/2008, no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) , usa um conceito amplo de «dados», que inclui os dados de tráfego, os dados de localização e os dados conexos para identificar o assinante ou o utilizador, a Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, usa uma categoria bipartida de dados de localização e dados de tráfego, definindo-os, respetivamente, nas alíneas e) e d) do artigo 2.º. Por outro lado, alguns dos dados de localização podem ser reconduzidos a um conceito mais amplo de dados de tráfego, tal como é expressamente assumido no Acórdão n.º 403/15 e sustentado pela doutrina (cfr. Catarina Sarmento e Castro, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, Almedina, 2005, p. 181), enquanto outros dados de localização surgem dissociados de qualquer ato de comunicação. Esta esta última categoria é, porém, meramente residual, pois, segundo o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) n.º 38/2017, nos dias de hoje ocorrem comunicações mesmo quando o utilizador do equipamento de comunicação não o aciona direta e intencionalmente. É, por exemplo, o caso das atualizações efetuadas pelas aplicações de correio eletrónico ou outro tipo de mensagens, o que significa que a geração e troca de dados são praticamente constantes, mesmo quando os cidadãos utilizadores dos equipamentos nada fazem. Por último, os meros dados de identificação do utilizador (designados por dados de base), isoladamente considerados, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdãos n. os 241/02, 486/09, 403/15 e 421/17), não estão cobertos pelo segredo das comunicações, mas pelo direito à vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) e à autodeterminação informativa (artigo 35.º, n.º 1, da CRP). Seja como for, o aspeto relevante para apreciar a questão da constitucionalidade agora colocada não é o plano categorial ou conceitual, mas sim o plano material e teleológico, e por isso normativo, para efeitos de determinação do parâmetro que pode servir de referência à apreciação da constitucionalidade. Por isso, apesar de a letra da lei estabelecer uma distinção entre dados de base, dados de localização de equipamento (artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017) e dados de tráfego (artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017), na apreciação da constitucionalidade das normas questionadas ter-se-á sobretudo em conta a subdivisão entre duas grandes categorias com as quais se cruza esta classificação legal tripartida: (i) os dados associados a um ato de comunicação (consumado ou tentado) entre duas pessoas e que são os dados de tele- comunicações e os dados de tráfego de internet ligados às circunstâncias da comunicação interpessoal; (ii) e os dados que não estão associados a uma comunicação efetiva ou tentada entre dois sujeitos, mas que se tra- duzem nos dados de identificação do sujeito (nome, morada, número de telemóvel), nos dados de localização do equipamento, quando não deem suporte a uma concreta comunicação, e nos dados de tráfego que apenas envolvem comunicação entre um sujeito e uma máquina, como por exemplo, a consulta de sítios na internet . Assim, quer os dados de base, quer os dados de localização de equipamento, a que se refere o artigo 3.º da Lei Orgânica, n.º 4/2017, não devem ser considerados como dados atinentes a uma comunicação, já que tanto nuns quanto noutros inexiste qualquer dimensão subjetiva inerente à comunicação. Os primeiros são, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, dados escritos atinentes a uma relação contratual entre uma pessoa e uma empresa operadora de telecomunicações, referindo-se à identificação e morada do titular e ao próprio contrato de ligação à rede; os segundos abrangem a deteção de dados de loca­ lização a partir de um telefone ligado, mas em stand by, e/ou através do sistema de satélite GPS ou outro (ver, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, “Comentário ao artigo 194.º do Código Penal”, in J. Figueiredo Dias (direção), Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, p. 1104). Contudo, ainda que incluam, como dispõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, “os dados tratados numa rede de comunicações eletrónicas ou no âmbito de um serviço de telecomunicações

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